quinta-feira, 13 de maio de 2021

Escrever-te



Eu sei que fiquei de te escrever, de te dizer, de te dar a saber. Eu sei e tu sabes. E sei que relevas a minha falta de palavras.
Não há muito a contar pois os dias correm como sempre: o hoje igual ao e o amanhã idêntico ao hoje.
Horas que passam numa sequência sem significado diverso ao do correr do tempo.
Não há histórias. Não há conversas. Não há visitas ou saídas porque sim.
Há um tempo estranho, que deixa estranha a mim e aos outros. Somos todos estranhos.
Em todos os sentidos.
Não nos reconhecemos, descaracterizados que fomos, parecendo que saímos de uma linha de montagem.
Não nos sentamos como habitualmente ao pequeno almoço ou no café após almoço ou mesmo no nosso posto de trabalho.
Não conversamos sobre o que quer que seja.
Não nos damos e não recebemos.
Não, não, não. Um punhado de nãos que nos impedem de viver.
E ficamos estranhos, eu pelo menos fico, nesta ausência de rotinas substituídas por algo que me deixam mais ausente que presente.
Mais ausente da vida, lá fora na rua e cá dentro de portas e na Alma.
Não há muito a dizer, pois não há muito que se faça.
Mentira: faço o premente esforço de pensar e de me obrigar a acreditar que isto vai mudar.
Mas no fundo, penso que o que vai mudar são as pessoas.
Este afastamento tão real e prolongado está a criar brechas demasiado profundas na personalidade humana.
Deveria tornar-nos melhores, fazer-nos sentir quão preciosa é a liberdade de poder viver, andar, falar e respirar. Mas não... Estamos cada vez mais estranhos, cada vez mais fechados, em nós, nos nossos medos, nos nossos mundos cada vez mais pequenos.
Por isso não te escrevo: não há nada de novo neste novo modo de viver.


Cat.
2021.02.09


 

Sem comentários:

Enviar um comentário