A noite já reina e a lua vai-se mostrando timidamente por entre as nuvens.
Há um silêncio estranhamente familiar no ar. Há semanas que as noites passaram a dominar os dias nesta ausência de vida. De vida humana, porque os pássaros e as andorinhas esvoaçam por entre as árvores. Esta Primavera é atípica: não há ruído, não há a cores das flores excepto pela janela e o cheiro das laranjeiras em flor quase não se sente, pois até o vento se sente ausente.
Aqui dentro, há paredes com memórias e odores e vislumbres do que já foi.
É uma prisão, este confinamento que dura há dois meses.
É um tormento pois há uma mescla de sentimentos que não se explicam, não se aproximam e, no entanto, são constantes.
É um rodopiar entre o querer e o não querer.
É uma inconstância de querer manter as memórias e os momentos e de, ao mesmo tempo, desejar esquecê-los.
E por muito que abra a janela e respire o ar fresco lá de fora, o ar cá dentro sufoca-me, é difícil de respirar e paira sobre mim como a pressionar.
E no dentro de mim, no meu âmago, há vontade de gritar, de explodir, de expulsar a dor e de chorar por manter o que realmente vale a pena.
Sinto falta do lá fora. Mas, aqui confinada, sinto muito mais a falta de quem está ausente. Temporária ou eternamente.
Às vezes sinto que estou a enlouquecer, oscilando entre o bom e o mau.
Só tu, que me acompanhas os dias e partilhas o leito, as dores, as alegrias, as perdas, os risos e as lágrimas comigo, me dás alento para voltar a enfrentar mais um dia.
Estas semanas foram difíceis, com a lembrança de perdas e uma perda repentina que me vai doer eternamente.
Mas também foi o nosso melhor momento. Onde os laços que nos unem se apertaram, se fortaleceram e nos tornaram no melhor de nós. E eu tenho um orgulho imenso na pessoa que és, no companheiro que és. E dizer que te amo não é, jamais será, suficiente para te explicar e demonstrar o que sinto.
Cat.
2020.05.12
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