quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Temo II



Temo que o tempo não me chegue. Que se esgote, que se acabe, sem se fazer anunciar. E que eu não diga o que tenho cá dentro, o que possa estar a guardar.
Temo que não tenha dias suficientes. Que os momentos passem por entre os minutos incólumes e serenos. E que eu não viva o que ainda me falta viver.
Temo não sentir o suficiente. E que eu vagueie por esta gente sem provar todos os sentires.
E por isso não quero deixar de dizer. Não quero deixar de me levar ao extremo do sentir, do querer e viver.
Temo tanto que por vezes sei que sou demasiado.
E eu quero tanto não perder tempo, não ser apenas um ser que (sobre)vive.
Quero sentir: o sangue correr em mim, o coração descompassado e acelerado, os olhos encherem-se de lágrimas, os lábios de sorrisos e a pele arrepiar.
Temo... Temo que o marasmo do quotidiano jamais me abandone e me tolha a acção. Temo nunca conseguir deixar de viver apenas o seguro de uma vida certa a imaginar a liberdade de viver a (in)certeza de apenas viver o sentir, no corpo, na mente e na Alma.


Cat.
2018.12.05

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Frio



O dia desperta lenta e melancolicamente. Não há pássaros a esvoaçar, nem a fazer-se ouvir. Não há pessoas na rua a fazerem o dia acordar. Há gotas de orvalho, grossas e geladas nas ervas. Uma camada branca, ténue e frágil, aqui e além, sinal da noite fria que se fez sentir.
Ao fundo, por detrás das árvores, uma luz que denuncia a chegada de um sol, fraco e longínquo.
Também eu, sou um correr de estações: ora quente, ora fria. Também eu, tenho dias, momentos em que viver é um passar de horas gelado, sombrio e pouco brilhante onde a luz, apesar de presente, não tem capacidade, poder, força, alento, para me iluminar. E tudo gela cá dentro, dentro do peito, no sentir e no amar.
E tudo fica em suspenso, gelando e, aos poucos, envelhecendo e morrendo, numa espécie de hibernar, dormente para, num dia, num determinado momento, tudo se alterar e voltar a querer brilhar, viver e amar.
Apetece ficar aqui, dentro deste quarto, nesta cama quente e acolhedora, enroscada no teu abraço, que me acalenta e o viver me alimenta.
Hoje vou viver ao sabor do teu respirar, do teu me querer, do teu me amar.
Hoje não há frio que em mim possa entrar...



Cat.
2018.12.01

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Desacreditar





Pergunto-me porque as pessoas não são sinceras. É por medo, seja ele qual for? Medo da culpa, da vergonha? Ou será apenas por oportunismo?
Pergunto-me que necessidade há de mentir e deixar no ar a dúvida. É por egoísmo, por inveja ou pura maldade?
Eu sei que ninguém é dono de toda a verdade. Ninguém é perfeito e às vezes as palavras saiem das bocas, por entre os lábios, mais depressa que o pensar. E muitas vezes instala a dúvida. Abala alicerces que achamos profundos, seguros, (quase) inabaláveis.
Porque ninguém é perfeito.
E devido a essa imperfeição estamos à espera do erro, da (suposta) falha.
É fácil uma palavra mais duvidosa deixar-nos a pensar, a duvidar.
E porquê? Porque estamos constantemente a ser bombardeados com o mal que se faz, com o apontar de erros, com a constante necessidade de mostrar que somos falhos.
Pergunto-me porque não são as pessoas sinceras.
O medo de falhar, de ser acusado, de ser apontado, de ser culpado é a causa. Então, há que atacar para ter a melhor defesa.
E há a maldade. Aqueles que não são felizes e não podem, não aguentam, não compreendem a (muitas vezes rara) felicidade de com quem privam. Maldade, pura e simples. Ou infelicidade. Ou incapacidade.
Continuo contudo a não perceber... Ou melhor, eu percebo, mas não consigo aceitar.
E é isto que, por defeito, me faz desacreditar.


Cat.
2018.10.31

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Silêncios XIV



A noite vai a meio do seu curso e reina com todo o seu esplendor.
Não há sons, tudo é silêncio. Um silêncio ensurdecedor, enorme, gigante.
Não há pessoas a passar na calçada ou pássaros a esvoaçar.
Não há folhas nas árvores a baloiçar ao sabor da brisa pois esta também está ausente.
É como se tudo parasse, ficasse imóvel, estagnado. Mas não, o tempo continua a passar sem se deter ou fazer caso desta inusitada paragem na vida.
O silêncio é tal que, aqui dentro deste quarto, do lado de dentro da janela, ouço o bater do meu coração.
Forte, ritmado, no peito. O único sinal de que ainda há vida aqui. Lá fora e em mim.
É que também eu estou suspensa na vida. Com a única certeza de que apenas o silêncio do futuro me espera.
E tudo em mim é silêncio. Mesmo de olhos abertos, a mente não se desperta, não se alimenta, não me fala da habitual forma inquieta. Dorme, mas também não descansa. Está em constante alerta, à espera da hora certa para despertar. Como o dia lá fora.
E o silêncio impera: na mente, no quarto e na noite.
Só o bater do coração me assegura que não, que ainda não estou morta...


Cat.
2018.10.22