sábado, 27 de abril de 2013

Carta III


Escrevo-te hoje.
Apenas hoje, apenas nestes minutos feitos horas carregados da vertigem louca e pesada da tua ausência.
Escrevo-te não para que saibas de mim por estas palavras tão pouco explicativas e tão pouco exemplificativas do que me vai cá por dentro. Não! Isso seria demasiadamente redutor, demasiadamente supérfluo.
Escrevo-te como forma de exorcismo, como um ritual em que me retiro de mim própria as dores que me atemorizam, que me tomam por completo.
Considera estas minhas palavras como uma limpeza. Sim, isso mesmo, uma lavagem, uma purificação do meu ser, ao meu interior, das feridas que são minhas.
Assim, liberto-me de todo este menos bom em que me deixas quando a tua presença corpórea não me acompanha e desta forma, renovada, mas não curada, as forças revitalizam-se e posso esperar-te sempre mais um pouco.


23.Abr.13

Carta II


Escrevo-te.
Escrevo-te para que saibas que não te quero escrever. Que não me quero partilhar através de palavras que nunca sentirás como um beijo na pele desses lábios que sendo teus, juntos com os meus são um cruzar de gostos e sabores em línguas desertas de paladares.
Paladares que nunca sentirás de forma tão intensa e premente no desejar.
Paladares carregados de ventos quentes e aromas que não identificas pois nunca os poderás degustar.
Paladares que jamais outro sorriso poderá alimentar a alma como o de um reencontro de corpos unidos após amados numa cama.
Sabores que só na amálgama dos sentidos da carne desejosa por ser possuída e por se entregar, são sentidos, partilhados e em comum criados.
Não!
Não quero partilhar contigo todas as vezes em que o corpo descansa e se relembra dos nossos inconstantes momentos que sendo intensos, imensos, nunca partilhamos.
Não!
Não te vou confidenciar que te desejo como preciso de respirar.
Escrevo-te apenas, para que saibas que estas palavras serão o meu segredo e que apenas em mim, vão ficar.


22.Abr.13

Carta I

Não me escrevas hoje.
Não me contes como correram as tuas horas cheias de pessoas vazias de valor.
Não quero saber que me sentiste a falta, que a minha ausência de ti te pesou na alma como uma cruz impossível de carregar.
Não quero que libertes essas palavras guardadas na garganta que anseia por as gritar num som quase mudo.
Quero-as aí, bem presas, sufocadas nessa tua saliva demasiado seca e escassa, fazendo-te a língua num nó que não deslaça.
Quero-as escritas em papel de folha alva, imaculada e sem marcas dessas gotas salgadas que te brotam do olhar quando em mim pensas. Escritas a caneta de tinta invisível, impossíveis de ler mesmo por quem as recebe em dedicatória.
Não! Hoje não quero que me fales, escrevas ou descrevas.
Hoje quero que mostres, tudo isso, tão somente e apenas...
24.Abr.13

Nada em mim...

E a tarde acaba em simultâneo com o brilhar dos raios de um sol que hoje foi Verão.
O silêncio é quebrado pelo riso de crianças que ainda brincam na rua quase imitando o chilrear dos pássaros que procuram poiso para pernoitar.
O quente do dia é substituído pela brisa fresca das noites desse orvalho que de manhã mata a sede das flores de Primavera.
Os cheiros são mesclas de frésias amarelas e flores de jasmim que se baloiçam num dançar ritmado pelo vento.
 
Aqui, já não há vento, nem sol, nem brisa fresca ou chilrear de aves.
Aqui, há um silêncio que sabe a ausência. Uma ausência que me abre o peito num vazio carregado de Inverno.
Sinto-me ausente de mim mesma. Numa não existência de pensamentos, de não haver raciocinar, de não conseguir cadenciar palavras em frases que mesmo que digam tudo demonstram nada.
Nada cá dentro. Dentro do peito, dentro de mim, dentro da Alma.
 
Há inícios de noite assim: em que a luz da Lua não reflecte nada em mim...


24.Abr.13