quinta-feira, 8 de abril de 2021

Dizer que te amo


 

A noite já reina e a lua vai-se mostrando timidamente por entre as nuvens.

Há um silêncio estranhamente familiar no ar. Há semanas que as noites passaram a dominar os dias nesta ausência de vida. De vida humana, porque os pássaros e as andorinhas esvoaçam por entre as árvores. Esta Primavera é atípica: não há ruído, não há a cores das flores excepto pela janela e o cheiro das laranjeiras em flor quase não se sente, pois até o vento se sente ausente.

Aqui dentro, há paredes com memórias e odores e vislumbres do que já foi.

É uma prisão, este confinamento que dura há dois meses.

É um tormento pois há uma mescla de sentimentos que não se explicam, não se aproximam e, no entanto, são constantes.

É um rodopiar entre o querer e o não querer.

É uma inconstância de querer manter as memórias e os momentos e de, ao mesmo tempo, desejar esquecê-los.

E por muito que abra a janela e respire o ar fresco lá de fora, o ar cá dentro sufoca-me, é difícil de respirar e paira sobre mim como a pressionar.

E no dentro de mim, no meu âmago, há vontade de gritar, de explodir, de expulsar a dor e de chorar por manter o que realmente vale a pena.

Sinto falta do lá fora. Mas, aqui confinada, sinto muito mais a falta de quem está ausente. Temporária ou eternamente.

Às vezes sinto que estou a enlouquecer, oscilando entre o bom e o mau.

Só tu, que me acompanhas os dias e partilhas o leito, as dores, as alegrias, as perdas, os risos e as lágrimas comigo, me dás alento para voltar a enfrentar mais um dia.

Estas semanas foram difíceis, com a lembrança de perdas e uma perda repentina que me vai doer eternamente.

Mas também foi o nosso melhor momento. Onde os laços que nos unem se apertaram, se fortaleceram e nos tornaram no melhor de nós. E eu tenho um orgulho imenso na pessoa que és, no companheiro que és. E dizer que te amo não é, jamais será, suficiente para te explicar e demonstrar o que sinto.


Cat.
2020.05.12

A ti Mãe...


A ti Mãe...

Entre o ontem e o amanhã há todas as memórias inesquecíveis. Todas as recordações. Todos os cheiros. Todos os sorrisos.

Entre o ontem e o amanhã há o constante te pensar. Nos conselhos que (não) segui. Nos caminhos que foram feitos em passo uníssono.

Entre o ontem e o amanhã há todas as batalhas que travamos. Todas as ideias contrárias. Todos os desgostos e desilusões.

Muitas vezes, entre o ontem e o amanhã, não havia diferença. Era o mesmo dia. Era o teu dia.

Como mãe e como celebração da vida. Em conjunto num único cenário de felicidade.

Entre o ontem e o amanhã já não há abraços, ou beijos, ou sequer o bater do teu coração. Já não há o que (me) eras.
E são dois dias que, juntos ou tão próximos, me fazem sentir, de forma tão mais profunda, a tua ausência.

Pudesse eu trocar o ontem e o amanhã por um momento contigo hoje.
Nem todos os dias foram fáceis.
Nem sempre nos ouvimos.
Nem sempre nos abraçámos ou beijámos ou rimos e brincámos.

E hoje, entre o ontem dia da Mãe e o amanhã dia do teu aniversário, há um vazio que me percorre.
Há um passar do tempo que se desfaz, como folhas perenes ou pétalas soltas da flor.

Há Primaveras que jamais terão a mesma cor.

Entre o ontem e o amanhã, há um hoje carregado de uma saudade que me deixa num estranho torpor...


Cat.
2020.05.04

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Ciclo


 

Há uma sensação de impotência quando olhámos a vida. Vida em todos os sentidos.

Como se fosse inevitável fugir a certas dores ou alegrias, à vida ou à morte.
E somos realmente impotentes, não depende de nós.

E há tantos caminhos que podemos seguir e tantas vezes esbarramos com as mesmas coisas, como se nos perseguissem, como se fossem inevitáveis.

Mas há em nós, no nosso âmago, uma força que nos move, que não nos deixa deixar ali, no nosso canto, com a vida suspensa de forma (quase) eterna.

É preciso viver.
É preciso amar, chorar, rir, odiar, provar, experimentar, beijar, abraçar, perder e ganhar.

A vida vida é um ciclo, como o passar das horas, dos dias; como a Primavera e o Inverno; como o céu agora azul, amanhã cinzento; como o mar agora quente e calmo, amanhã impiedoso e turbulento.

Fazemos escolhas, tomámos decisões, cumprimos o caminho a que nos propusemos, mas há sempre, a dado momento, essa sensação de impotência.

Momentos em que caímos no chão e Mundo e Vida não param...
Porque o ciclo não pára.
Porque nada pára.

Nem o céu de ser azul e cinzento, nem as árvores de crescer e morrer, nem o vento de ser doce ou devastador.

A vida é assim: um ciclo que apesar de repetido, é sempre diferente, é sempre impossível de controlar. E há tanto que pode, nesse entretanto, por nós passar...


Cat.
2020.05.01

O corpo quer ceder


 

O corpo quer ceder. Deixar de lutar, deixar de combater, deixar-se cair.
Há dias em que apetece deixar cair os braços e desistir.
Desistir da vida, das (des)ilusões, dos medos, dos sonhos, do sentir.
Mas o passar do tempo mostra-nos que não há possibilidade de suster o tempo, tal como a respiração. É momentâneo. E a qualquer momento, a dado momento, temos que nos erguer. Temos que caminhar, temos que avançar.
A vida é feita de muitas coisas, de muitas pessoas, de muitos momentos e de muitos sentires.
Mas há dias em que, só com muito esforço, só com uma força hercúlea o corpo avança.
Sim, há dias em que o coração está morto, emperdenido, negro e pesado. Morto. Quase morto.
Há dias em que a dor é em demasia.
Há dias em que a ausência é insuportável, indescritível, impossível de nos fazer querer viver.
Mas há que enxugar as lágrimas, cerrar os lábios e forçar a vida a acontecer.

Apesar da dor.
Apesar da (tua) ausência.
Apesar da falta de vida no (meu) coração.
E, com toda a força, (vou) tentar viver.
Tentar que as memórias se tornem menos pesadas, menos dolorosas.

Apesar de (quase) morta, o corpo vai lutar por viver e nunca (te) esquecer...


Cat.
2020.04