segunda-feira, 28 de abril de 2014

Esvaziada

 

Há um desejo que por vezes me invade.
Um desejo que não se assemelha a nunhum outro, que é úncio no que me faz sentir, na vontade que cria em mim, que faz desejar poder realizar.
Surge quando olho este rio que balança ao ritmo da vontade das marés, indiferente aos olhos que nele se perdem e que nele misturam as lágrimas salgadas de sonhos imaginados e feitos desilusão, de sorrisos que esbarram nas águas rápidas em turbilhão.
Esvaziar-me.
Esvaziar-me de tudo que me faz viver.
Esvaziar-me de tudo o que me faz sentir.
Esvaziar-me de todas as alegrias que me fazem reviver, de todas as lembranças que me fazem regressar a um tempo que, já passado, não há forma de recuperar.
Esvaziar-me de todas as memórias que ainda estão por vir. Por criar. Por acreditar.
Sim, esvaziar-me. Ficar oca de mim, vazia do meu sentimento, silenciosa do meu pensar.
Perder-me sem saber onde andei ou onde quero estar.
Soltar-me de tudo o que me faz querer abandonar, querer avançar ou querer ficar.
Largar as amarras de uma vida que nos faz pesar todos os passos neste caminho que não sabemos onde vai dar.
Quero apenas fluir, respirar sem pensar, comer sem paladar sob pena de ter vontade de voltar a provar.
Esvaziada de mim, não há nada que me possa faltar. Nada que me possa fazer sonhar e voltar a magoar.
 
 
22.Abr.2014
 

É em ti





É nos teus olhos
Que o Mundo se transforma,
Que o meu coração padece
De um querer que por completo me toma.

É nos teus lábios
Que os sabores tomam forma,
Que a minha língua se entrega
E a minha alma se alimenta.

É nas tuas mãos
Que as horas se tornam lentas,
Que o teu corpo no meu penetra,
É a pele que se arrepia,
Enquanto a carne me tentas,
No vai-e-vem que se sente
Entre abraços de pernas,
Entre gotas por entre beijos,
Entre olhares perdidos em sorrisos
Que se trocam entre gemidos
Feitos do prazer
Que é o teu me amar.

É em ti
Que eu,
Por inteiro,
Me faço viva!
 
 
 
22.Abr.2014

Dias silenciosos

 
 
Há dias silenciosos.
Dias em que o correr do rio passa despercebido e tão pouco se importa com as núvens escuras que ameaçam desfazer-se e misturar-se nas suas águas.
Em que nada perturba o passar das horas mortas numa cidade desabitada, cheia de gente que não se vê, que não se sente. Tantas horas, tanto silêncio, tanto vazio de vida.
Aqui, o silêncio não comanda e a música da vida é outra, composta pelo pensar que me comanda os sonhos, a vontade, o desejo, o medo e a revolta. Uma miríade de sentimentos aflorados na pele do meu corpo arrepiado, contidos nos olhos do meu rosto amargurado e triste, expostos nos meu lábios sorridentes e no futuro crentes.Sou, nestes momentos de silêncio exterior, tudo que há em mim, tudo o que me faz ser. E rio. E choro. E sonho. E desiludo-me. E acredito. E sinto, sobretudo sinto. Todos os momentos que compõem a peça da minha vida são importantes e determinantes para o que sou.
E eu já fui tanto e tanto ainda hei-de ser!
E não há lugar para arrependimentos, para me manter num passado que nada mais tem para me ensinar, que está já tão vazio como as ruas lá fora.
E não há espaço para memórias que não sejam as que me fazem sorrir, para palavras que sempre me encherão o coração e a alma de tudo que pode ser bom e, desta forma, recuperar-me o ser, fechar-me as feridas, perdoar e avançar até não mais doer.
O tempo que tenho para viver é demasiado importante e preciso vivê-lo com a maior das intensidades, com o foco de, no dia-a-dia, encontrar nas mais pequenas coisas, a felicidade.
No perfume das flores de laranjeira. No sal das gotas que salpicam do mar.
Nos teus olhos. No teu sorriso. No teu abraço. No teu beijo.


18.Abr.2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

Cheiros impossíveis de esquecer




A noite iniciou-se calma e morna num tempo indefinido em que a chuva decidiu brindar-nos com o fresco da sua liquidez. O cheiro à terra quente e molhada é quem comanda os sentidos, num inebriante perfume que me recorda as tardes de Agosto quentes da infância. Os risos e o deslumbre das trovoadas de Verão à mistura com a alegria de molhar os dedos dos pés nessa água quente, salpicando as roupas de gotas barrentas.
As memórias dos cheiros são as que mais guardo em mim, cheiros que me ficam como marcas na pele, que se cravam em mim.
Há cheiros impossíveis de esquecer: o do sabão quando a mãe lavava no tanque que, sendo pequeno, era um lago de águas transparentes e gélidas saídas de um poço assustador e profundo, capaz de me engolir e nunca mais ser encontrada.
O cheiro da colônia de lavanda quando saía ao domingo, perfumada que intoxicava dada a quantidade em mim vertida.
O cheiro dos longos cabelos negros da minha mana que penteados sob protestos, ainda que apanhados se revelavam revoltos.
Os cheiros da infância são tesouros bem guardados, de ingênuos tempos, irremediavelmente perdidos.
E há cheiros que me assolam o pensar e o sentir, carregados de outras memórias, mais vivas e sentidas, de uma vida ainda a viver, ainda a partilhar, ainda a aprender.
Como o teu cheiro. O cheiro da tua pele. O cheiro do teu beijo misturado no sabor do meu. O cheiro do teu corpo suado, molhado pelo meu. O cheiro do teu sexo penetrado no meu, enchendo, vertendo, inundando-me desse prazer insano, derramado dentro do meu...
Há cheiros impossíveis de esquecer, que nós alimentam a alma e ao corpo fazem viver!
 
 
14.Abr.2014