quarta-feira, 28 de abril de 2021

Decadência


 

Há chuva lá fora. Cai num compasso incerto como que adivinhando os meus pensamentos.
Os dias têm corrido quase sempre iguais, num confinamento que não sendo obrigatório, não te dá vontade de sair. Ou de ter para onde ir.
O que me vale são os pensamentos.
Não. Mentira.
Não valem de nada.
Ando oca. Vazia. Sem conteúdo.
Não vejo.
Não sinto.
Não me incomoda.
Não me alegra.
Não nada.
Indiferente.
Um mero andar por andar. Dentro destas quatro paredes.
As conversas acabam por me cansar e deixo de as ouvir e, da minha boca, saiem apenas os habituais ruídos de conforto.
Cansaço? Não.
Desespero? Não.
Tristeza? Não.
Mas minto, agora que penso melhor nos meus dias.
Eu sinto. Há momentos em que sinto.
Sinto um Amor enorme por tudo que é simples: no sol, na chuva, na erva, no rir de uma criança na rua, nas pessoas, na forma como o Mundo é perfeito. Ou poderia ser, se todos amássemos assim: incondicional. Sem julgar. Sem condenar. Se fossemos empáticos.
Sim, eu penso.
No resto do tempo parece que não pertenço aqui e que há uma névoa ao meu redor que me impede de sentir mais do que Amor. Como se fosse preferível não sentir, não ver, não pensar excepto se for esse Amor.
Como que só me permitisse ver o que realmente importa, o que realmente é importante para o meu crescimento como pessoa.
O resto, o resto é uma nuvem que tudo tapa e me impede de ver, sentir ou pensar...
Talvez seja isto o início da (minha) decadência como ser humano...


Cat.
2020.11.25

Pés sem chão


 

Pés sem chão, flutuo pelos dias,
Sem tempo, sem noção.
São apenas horas que passam,
Entre o dia e a noite,
A luz e a escuridão.
Tal como o meu pensar,
Agora livre e feliz,
Ora triste, sem rumo e em vão.
Tempos estranhos estes
Em que os dias de Outono parecem de Verão.
E nós fechados, num cerco,
Que nos impede de viver plenamente,
De poder abraçar, beijar e dar a mão.
A vida está diferente.
As pessoas estão diferentes.
Tudo está em transformação.
Apesar de tudo, da (aparente) dormência,
Que nos tolda a visão,
Há a esperança,
Há a certeza na mudança,
De crenças,
De pensares,
De formas de olhar o outro e o Mundo.
Pés sem chão, flutuando acima do material,
Dando importância ao moral,
Ao olhar o outro como igual,
A sonhar com um Mundo
Perfeito, onde todos temos
Um papel principal...
Vejo tudo a desmoronar,
Vejo cada vez menos empatia,
Cada vez mais os egos e o egoísmo
A ganhar caminho.
E no entanto, cá dentro,
No meu ínfimo imo,
Há (quase) uma certeza
Que o futuro será
Belo e lindo.
Pés sem chão, flutuando,
A (querer) acreditar
Na última utopia...


Cat.

Insano entregar


 

Obedeço(te)
Sem questionar.
São as (tuas) vontades
Que imperam
Entre (estas) paredes.

Vergo(me)
Perante o (teu) dominar.
Servir(te) todos os prazeres,
E quais não importam
Pois (aqui) não há limites.

Pertenço(te)
Neste insano entregar.
Satisfazer(te) os devaneios,
Deixar(me) a luxúria penetrar,
Sem medos, sem receios,
Só pelo puro prazer
Que (nos) podemos dar...


Cat.
2020.11.04

terça-feira, 27 de abril de 2021

Olho(te)


 

Olho(te)
Submissa,
Esperando com ânsia
O teu querer(me).

Olho(te)
Com o desejo
Em crescendo,
Numa espera (quase)
Infinda.

Olho(te)
Suplicando,
Toma a (minha) pele,
O (meu) corpo,
O (meu) sexo humedecido
Que (te) espera.

Olho(te)
E, assim simples,
Já não me pertenço,
Já sou parte da (tua) luxúria,
Fazendo (meus) todos
Os (teus) devaneios...


Cat.
2020.11.02