sexta-feira, 2 de abril de 2021

A pele


 

A pele.
Parte de mim
Que faz parte de ti.
No odor que é teu
E se entranha aqui.
Arrepio que me estremece
O corpo por inteiro
À custa desse beijo
Que me entumece.

A pele.
Por ti marcada
No frenesim de um momento,
No tanto querer (te) cá dentro,
Para sempre tocada.

A pele.
Indelével.
Inapagável.
Inesquecível.
Indubitavelmente.
Eternamente.
Para sempre
Tua.

A pele.
A minha pele.


Cat.
2020.01.27

Cansada


 

Cansaço, é isso. Há um cansaço enorme em mim.
De tudo. De todos.
Isolar-me e deixar-me estar com os meus pensamentos. Não. Nem isso. Não quero pensar.
Quero que o vazio me inunde. Me encha e preencha.
E viver assim.
Sem nada. Sem ninguém.
Ficar parada a ver quem passa. A ver o dia mudar de cor consoante as horas passam. Ver chegar e ver partir.
Todos. Tudo.
Sem julgar. Sem imaginar. Sem sentir.
Não pensar. Não agir. Não reagir.
Não esperar.
Não me surpreender ou desiludir.
Cansaço, é isso que há em mim.
De tentar perceber os outros.
De tentar justificar actos alheios.
De fazer mais do que desejam.
De pensar além e antever o que aí vem.
De alertar.
De ajudar.
De ser e dar mais do que de mim esperam.
De ser e dar menos do que de mim esperam.
Cansada de quando dás mais e te acusam de o fazer...
Cansada de quando não dás e te acusam de não o fazer...
Cansada de tentar perceber esta gente que não se percebe.
Cansada.
Cansada desta gente que não vê além.
Cansada desta gente que só pede.
Cansada desta gente que se acha superior, inteligente e melhor.
Cansada da indiferença desta gente para com os outros.
Cansada.
Cansada desta gente que nos suga o que de melhor temos e nos deixa, assim, cansada.
De tudo. De todos.

2020.01.21

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Este sentir


 

Trazer no peito
Um amor prendido
Sem palavras de aceito,
Como que arrependido.

O medo de dar,
De ser,
De mostrar
E de tudo perder.

Preso no ser,
De alguém (im)perfeito,
Este tanto (te) querer,
Que é quase (meu) defeito.

Dias sem rumo,
Num passar de horas
É qualquer não destino
Se calo o que sinto,
Cá dentro do peito.

Morrer neste compasso
De tanto receio,
Incerta do que faço,
Do que falo e não digo.

Querer(te),
Amar(te),
Ser(te),
É tudo o que tenho de certo.

Mas calo,
Este sentir que me avassala,
Que preso na garganta
Não (me) magoa,
Mas é verdade que (me) mata.


Cat.
2020.01.11

Gota numa janela


 

Tento escrever qualquer coisa, o que quer que seja e nada.

Não há palavras.

Não há memórias.

Não há sentires.

Nada.

Há uma mesa de café, pessoas reunidas a falar de uma qualquer banalidade do dia.

Ao fundo joga-se bilhar e há um casal que fala baixinho no meio de tanto ruído. Ela sorri enquanto ouve o que ele diz. Não são novos, não estão apaixonados, mas têm entre si aquela cumplicidade de quem se conhece, de quem ainda ouve com interesse o outro.

Lá fora chove. Numa cadência sem ritmo, cria uma melodia que me deixa ausente deste local.

As gotas na janela, escorrendo pelo vidro, fazem desenhos que parecem caminhos. Ora unindo-se a outras, ora afastando-se de novo. E neste (des)cruzar encontro um paralelismo, para mim evidente, com a vida.

Como se o caminho fosse apenas um. Num único sentido, sem possibilidade de voltar atrás. Por vezes rico, transbordante, carregado de vida e rápido. Ou solitário e parecendo parado no tempo. Unindo-se e separando-se de outras gotas, aumentando e diminuindo o frenesim de o percorrer.

A vida é uma janela carregada de gotas de chuva. E eu sou uma dessas gotas, às vezes parada, às vezes correndo. Às vezes num rumo cheio de curvas, isolada. Outras acompanhada e percorrendo o mesmo caminho.

Gota numa janela. Criando o seu percurso, deixando a sua marca, crescendo, perdendo e ganhando outras gotas pelo caminho.

Gota numa janela. Tão visível e, no entanto, tão transparente e insignificante...


Cat.
2020.01.17