sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Tomara



Tempo de dormir, a noite já vai longa e a lua esconde-se por trás de nuvens.

Lá fora o vento canta a sua melodia por entre as folhas das árvores de forma suave e ritmada. Traz consigo o doce cheiro das belas-donas e eu fecho os olhos e consigo imaginá-las, com o seu pé longo brotando do solo, sem qualquer folha e a flor em forma de copo, com o seu cor-de-rosa forte no exterior e um risa pálido no interior.

- "São as flores do fim de Verão, significa que está quase a chegar a próxima estação" - dizia-me a minha mãe.

Sabia tudo sobre flores, desde as cores, os cheiros, o tempo de florescerem e ensinou-me isso e tantas outras coisas sobre tudo.

Tomara eu ter aprendido tudo o que me ensinou sobre a vida como aprendi sobre flores.

Tomara eu ser assim sábia.

Tomara eu ter dado mais atenção às palavras que me dirigia naquele tom condescendente que só as mães têm.

Tomara eu ser metade da mulher que ela foi pois a vida não foi meiga para com ela. Foi dura, cruel até, principalmente nos últimos anos. E não é assim que te quero recordar. Por isso, sempre que, em noites como esta, o cheiro das flores da época se fazem transportar pelo vento, eu fecho os olhos e vejo as flores em cores vibrantes e depois vejo-a, com os mais brilhantes olhos azuis, a fitarem-me e, num tom sério dizer-me: "eu amo-te minha filha, mesmo quando deres um passo em falso. E é por te amar assim tanto que vou sempre dizer-te quando errares."

Tempo de dormir e de lhe dizer que sou falha, mas que tento, todos os dias, ser mais igual a ela. Porque a nossa mãe é (quase sempre) perfeita.


Cat.
2018.09.09

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Nunca deliberado





É noite há já algum tempo e lá fora está uma típica noite de Verão: quente e com uma brisa agradável que serpenteia por entre os cabelos e a pele despida.

Há estrelas a brilhar no céu escuro e ouve-se o canto das cigarras, intenso e a quebrar o silêncio e formando uma melodia constante e repetitiva.

Aqui a brisa também percorre o quarto e faz da minha pele o seu leito de morte.

Não há estrelas, mas a luz do candeeiro é ténue e deixa sombras pouco definidas nas paredes. Enquanto as olho penso se também eu sou assim indefinida, se a minha passagem pela vida é uma sombra mal marcada, com contornos esbatidos e sem cor.

Penso em todas as pessoas que por mim passaram e nas que me marcaram e que ainda estão bem definidas na minha memória. Elas e o que com elas aprendi, o que com elas eu mudei, o que com elas eu vivi.

E pergunto-me se também eu estarei assim viva nas suas recordações. Se também eu tenho ou tive alguma importância nas suas vidas.

Pergunto-me se me pensam com o mesmo carinho que eu as penso. Independentemente do que vivemos juntos, se foi bom ou mau, se doeu ou fez sorrir... E sim, sofri muito com algumas destas pessoas, mas já lhes perdoei todos os actos, todas as palavras menos boas ou sinceras. Somos humanos e nem sempre fazemos com o objectivo de magoar. Pelo menos é nisto que acredito: que ninguém é mau por natureza. Magoamos outros na maior parte das vezes para nos defendermos, por sobrevivência e eu aceito e perdoo. Mais cedo ou mais tarde, mas perdoo, quando a dor já não é tão intensa, quando já sou mais racional que emocional.

E pergunto-me se serei diferente dos outros ou se, pelo contrário, sou igual e que pensam em mim como alguém por quem nutrem carinho e sobretudo, se já me perdoaram todo o mal ou dor ou sofrimento que, inadvertidamente, lhes possa ter causado. Porque nunca foi deliberado...



Cat.
2018.08/31

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Dias de férias





O dia nasceu não há muito tempo e lá fora o sol já se faz sentir com o seu quente típico de um dia de Verão.

Há toalhas espalhadas pelo areal e corpos de cor de canela de pele brilhante, como que beijadas pelo sol.

A água do mar está serena, formando pequenas ondas de espuma apenas quando morrem na areia.

O mar, este, não cheira como o mar do meu norte, carregado de aroma e sabor a sal. Aqui é de águas mornas e azuis esverdeadas e há quem mergulhe e se deixe invadir por toda esta imensidão.

E se revigore. E renasça. E retempere forças para mais um período de luta.

Nas férias tudo parece diferente: as preocupações ficam em casa, as birras das crianças são mais toleradas, há sorrisos nos rostos das pessoas, uma espécie de leveza.

Como se o mar, mesmo sem ondas, levasse tudo que não interessa com ele, para longe, para muito longe.

Pelo menos nestes dias de férias.

E eu mergulho de cabeça. Sem pudor de sentir na pele esta água, deslizando pelo corpo e a ela me entrego, sem qualquer pudor, na esperança de, também eu, me poder renovar.

Pelo menos nestes dias de férias...



Cat.
2018/08/29

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Prometi




Prometi escrever-te todos os dias, mas os dias passaram a ter outras prioridades.

Não que sejam conscientes ou que não te escreva de forma deliberada. Não, não é isso. Ou é. Talvez seja. Talvez eu sinta que já não há mais palavras para ti. Já não há nada que já não te tenha dito anteriormente.

Talvez.

Os dias correm na sua acelerada pressa e já não há tempo para te escrever, sabes? E o que ia dizer hoje posso sempre dizer amanhã. Ou depois de amanhã. Ou depois de depois de amanhã. E depois já não tem importância e já não há o que dizer, entendes?

Porque a dado momento, dizer que te amo parece insuficiente ou banal.

Porque a dada altura as palavras soam a rotina e não é isso que se quer.

Prometi escrever-te todos os dias, mas não há vontade.

Há apenas a necessidade de, por uns raros segundos, olhar-te nos olhos e deixar o silêncio falar nessa sua imensa intensidade e que tu ouças e percebas na mesma medida, o quanto eu tenho dentro de mim para ti. Que me ouças o sentir...

E que me abraces. Me acolhas no teu peito e me deixes respirar na segurança deste meu porto de abrigo.

Prometi escrever-te todos os dias, mas hoje não há sons que saiam de mim, não há articulação de palavras ou construção de frases. Há apenas e somente o que os meus olhos dizem e o que daí quiseres sentir...



Cat.
2018.08.28