quarta-feira, 17 de maio de 2017

Renascida



A tarde avança num ritmo inconstante, ora demasiado veloz e carregado de vozes, ora mais calmo ao som dos pardais e melros que disputam os ramos de uma qualquer árvore.
Oscilam ao sabor da brisa, de um lado para o outro de forma suave e doce, contrária ao correr das águas deste rio que nunca deixa de surpreender com o seu errático ondular provocado pelo passar dos barcos que transportam sonhos, risos e recordações.
Aqui, a noite já chegou e a ausência de luz já invadiu o lugar onde o corpo descansa dos afazeres do dia a dia.
Aqui, nada fliu como deveria. A vida, cá dentro, dentro de mim, não cheira a flor de laranjeira. Não há acordes musicais que alguém possa alguma vez reproduzir.
Não há (quase) nada.
Há um ser existente, vivendo o que os dias permitem e as horas não retadam.
Há sangue e ar e músculos que se movem num acto reflexo a que chamam vida.
Um sangue morno, correndo com vontade de parar, de dizer ao coração que chega, que já é hora, que já não há força.
Mas há uma resposta para além do corpo.
Mas há uma força para além da vontade racional.
Há esperança. Essa coisa abstrata que, apesar das contrariedades, da vontade de desistir, do desejo de ficar aoenas quieta à espera que chegue a hora; num momento inesperado, de forma traiçoeira, chega e domina.
E o pensar diz-nos, de forma constante e até acreditarmos que é possível mudar. Que é possível erguermo-nos de novo. Que é, inclusivé, voltar a viver e a amar(nos).
E esse sangue até agora morno, quase morto, renasce e volta a correr a uma velocidade capaz de bater recordes. Aqui, bem aqui dentro de mim.
Aqui, neste corpo renascido, nesta Alma que quer acreditar.
Aqui, em mim e dia após dia, de novo renascida...


2017.05.03



Mais e uma e outra vez


Espero-te.
Quase despida,
De tudo o que não faz falta,
De tudo o que a pele,
Nesse momento,
Não queria.
Anseio-te.
O toque que me arrepia,
A tua língua que,
Pelas minhas costas,
Desliza.
Quero-te.
As mãos abrindo-me as pernas,
As coxas pela tua boca beijadas,
Os teus dedos,
Hábeis,
Frenéticos,
Deixando-me sem controlo,
Entregue à loucura do teu ritmo
No meu sexo molhado,
Melado,
Por ti desesperado.
Quero-te.
E o meu desejo é tanto,
Que por ti faço
O que tanto almejo,
E eu sou tu,
Por ti em mim,
E num intenso orgasmo há um desfecho.
Espero-te.
Quero-te.
Mais e uma e outra vez!



2017.04.28

Ver(me)





Quantas vezes para ti me despi e, com estes olhos, fiz que não vi? 
Que o sentir que me invadia aumentava a cada dia.
Que o meu olhar-te fugiu do que deveria. 
Que deixou de ser apenas o meu corpo a querer-te. 
Quantas vezes, deitada na cama, depois de te pertencer, desejei contigo ir, imaginas? 
Partilhar-me mais que o desejo, mais que o vibrar da tua língua no meu corpo, mais que os insanos orgasmos por ti provocados, mais que o beijo que selava a nossa entrega e a tua partida anunciava. 
Quantas vezes te disse, mesmo calada, mesmo sem palavras, mesmo com o silêncio, que te amava? 
Que os meus dias só se deixavam passar e que só as horas existiam com a tua presença. 
Que o meu corpo só vivia e o meu coração batia no mesmo espaço que contigo. 
Quantas, quantas vezes acreditei no sonho de te ser tanto quanto tu me eras. 
Quantas vezes não quis ver a verdade da nua e dura realidade. 
Hoje, vejo que é a última vez que para ti me dispo, que para ti respiro, que para ti me entrego de corpo e alma. 
Hoje, olho-me e percebo quantas vezes são necessárias para saber o quanto não há mais que (apenas) isto...


201.04.28

Hábito




O silêncio começa a ganhar terreno. A comandar o pensamento. A impor a sua existência.
Quando deres conta da sua presença, não haverá palavra que o vença.


Pergunto-me se ainda me olhas da mesma forma.
Se quando me pensas um sorriso invade o teu rosto, pergunto-me se os teus olhos brilham.
Pergunto-me se anseias regressar aos meus braços, ao meu beijo, ao meu te amar.
Se o dia só tem valor se a mim te entregares, pergunto-me se ainda te faço sonhar.


E por vezes pergunto-me se sentes a minha falta... Se não te falar quantas horas passarão até me sentires a falta... Há uma diferença entre nós: tu faltas-me a cada momento, eu sinto que te falto por obrigação. Por força do hábito.
Um dia chegará em que quando me sentires realmente a falta já não haverá tua que em mim possa morar...




2017.04.05