quarta-feira, 19 de maio de 2021

Luz dentro de mim






É noite, novamente a lua domina o céu negro. Há no ar o cheiro a orvalho e das primeiras flores da Primavera que se anuncia.
A vida tem sido um emaranhado estranho. Ainda mais estranho que o habitual.
Falam que são tempos difíceis, que há que ter esperança e acreditar que tudo vai correr bem.
A verdade é que não correm. Há muito que não correm bem. Há muito que a esperança se vai esbatendo com o passar dos dias, das semanas e meses. Há muito que tenho dias em que sinto que tudo vai desmoronar, principalmente eu.
Eu.
Eu, que nem sei o que significa "ser eu".
Há muito que me sinto perdida de mim, há demasiado tempo. E no entanto, sempre que me perco, reencontro-me.
Mergulho no meu eu mais profundo, mais verdadeiro, mais real e mais simples e puro.
Descubro muitas falhas, muitas imperfeições e, devagar, muito devagar, vou aceitando que não sou perfeita... Longe de o ser.
Descubro muitas coisas boas também.
Acabo por chorar tanto pelo que tenho de bom, como pelo de menos bom.
É bom mergulhar em nós e olharmos para o que somos, para o que sentimos, para o que acreditamos e aceitar o que vemos. E não é fácil olhar ao espelho de nós.
Esta introspecção tão profunda está a mudar-me.
Já não tento controlar tudo à minha volta: descobri que não controlo.
Olho para os dias que vivi até agora e, não sei porquê, tudo faz sentido. Tudo surge na hora certa. Tudo acontece pela ordem certa. Há situações que só se sabem gerir depois de passar por uma outra que nos preparou.
Olho e vejo que sempre fui privilegiada: sempre tudo vem ter comigo. Principalmente as pessoas que preciso naquele momento. Como se me guiassem e olhassem por mim.
E a cada meu desmoronar, aceito o que vier, acredito que será pelo meu melhor, confio no futuro e que tudo será como tem de ser. E tem sido muito mais positivo que menos bom.
É noite, mas hoje há brilho e uma luz dentro de mim.


Cat.
2021.03.07

Um ano de solidão




É noite lá fora. Não sei se há lua ou estrelas ou nuvens. Sei que é noite, que já não há o canto dos pássaros ou o ruído dos poucos carros que por aqui passam. A rua estará deserta de gente. Porque está vazia e porque precisa de vida. Vida estranha neste último ano. Já lá vai um ano que a nossa liberdade está condicionada. Pela doença, pelas regras, pelo isolamento, pela solidão...
É noite cá dentro. De casa e em mim.
Hoje há noite em tudo o que me rodeia. Um negrume que não permite desvendar o futuro.
Mas o futuro nunca se desvenda. Nunca se adivinha. Nunca se sabe, é por si só um enigma, é verdade. Só que agora, neste momento nem nos permitimos a planear. É um viver cada dia, é um viver o amanhã só quando chegar, como se o futuro fosse algo ilusório, como se, de um momento para o outro, pudesse não chegar.
Na verdade não se vive o hoje, vive-se a (constante) ansiedade do amanhã. Ontem, hoje e amanhã. Sempre num desesperar pelo que está para chegar e nunca é amanhã.
Viver o presente com a incerteza do futuro imediato, presos em casa, afastados dos que amamos, das rotinas que são fundações basilares da nossa vida, não é viver... É ansiar que as horas passem na esperança de que após o adormecer e o acordar, o futuro seja diferente nesse novo dia.
É um ano deste viver que carregamos connosco.
É um ano a acumular ansiedade, incertezas, solidão. Tanta solidão...
É noite cá dentro e eu tenho saudades de sentir o vento, do cheiro das flores, das vozes das pessoas, de respirar livremente e... Do abraço do meu pai e da minha irmã. Dos abraços que tudo curam e fazem o futuro do amanhã melhor.


Cat.
2021.03.05

terça-feira, 18 de maio de 2021

Adeus (à) Vida XXXIV


 


Sei que não escaparei
Ao dia em que estes
Meus olhos fecharei
E a Alma largará as suas vestes.

De frente não olharei
Para quem me vem buscar,
Sei quem é, conheço o seu passar,
Não precisa que a venham anunciar.

Calma, sem receio, ficarei
Nessa hora que não tem par,
Não desejo cá ficar,
Neste corpo de matéria ímpar.

Deixarei que o coração pare,
Que deixe o sangue de bombear,
Que se acabe o respirar
E os olhos, para sempre, fechar.

Voa, Alma, voa,
Regressa ao teu verdadeiro lar,
Onde o verbo que reina é o amar.


Cat.
2021.03.02

Medo(s)

 




A noite já domina, a rua está silenciosa, não há passos na calçada. Só o frio e o orvalho de um dia de Inverno.
Tal como cá dentro, dentro de mim.
Hoje estou fria, analítica, crítica na e da verdade.
Hoje perguntaram-me porque não aplico a empatia que sinto pelos outros em mim. Que é raro encontrar alguém que racionalize de forma tão precisa o que sente e o que é como pessoa. Que tenho um auto-conhecimento como poucos. E com isso chega a auto-crítica.
A verdade é que desconstruo tudo o que sinto, tudo o que vejo, todas as atitudes, minhas e dos outros.
Sim, analiso.
Mas tenho sempre a capacidade de me colocar no lugar do outro e, com isso, perceber certas atitudes, comportamentos e reacções.
Gostava de o fazer comigo. Mas não consigo.
Há sempre um sentimento de culpa, ou de frustração, ou de arrependimento, ou de medo.
Tenho deixado o medo ser o guia de muitos aspectos da minha vida.
E o medo é uma imensidão de coisas e gigante como as ondas do mar em dia de tempestade.
Engole-me. Tolda-me o pensar. Faz-me não avançar. E eu preciso de avançar. Preciso de ser mais. De conseguir mais. De não tentar controlar para não sofrer ou desiludir(me).
É o momento de confiar. É o momento de arriscar. É o momento de crescer e de deixar o que me prende e me impede de voar.
Há muros, conceitos, medos que tenho de derrubar.
Eu tenho tanto para dar... Mas é por mim, pelo meu ser, que tenho de começar.
E sim, hoje estou fria, analítica, crítica na e da verdade. Sobre e para mim.


Cat.
2021.02.27