quarta-feira, 19 de maio de 2021

Um ano de solidão




É noite lá fora. Não sei se há lua ou estrelas ou nuvens. Sei que é noite, que já não há o canto dos pássaros ou o ruído dos poucos carros que por aqui passam. A rua estará deserta de gente. Porque está vazia e porque precisa de vida. Vida estranha neste último ano. Já lá vai um ano que a nossa liberdade está condicionada. Pela doença, pelas regras, pelo isolamento, pela solidão...
É noite cá dentro. De casa e em mim.
Hoje há noite em tudo o que me rodeia. Um negrume que não permite desvendar o futuro.
Mas o futuro nunca se desvenda. Nunca se adivinha. Nunca se sabe, é por si só um enigma, é verdade. Só que agora, neste momento nem nos permitimos a planear. É um viver cada dia, é um viver o amanhã só quando chegar, como se o futuro fosse algo ilusório, como se, de um momento para o outro, pudesse não chegar.
Na verdade não se vive o hoje, vive-se a (constante) ansiedade do amanhã. Ontem, hoje e amanhã. Sempre num desesperar pelo que está para chegar e nunca é amanhã.
Viver o presente com a incerteza do futuro imediato, presos em casa, afastados dos que amamos, das rotinas que são fundações basilares da nossa vida, não é viver... É ansiar que as horas passem na esperança de que após o adormecer e o acordar, o futuro seja diferente nesse novo dia.
É um ano deste viver que carregamos connosco.
É um ano a acumular ansiedade, incertezas, solidão. Tanta solidão...
É noite cá dentro e eu tenho saudades de sentir o vento, do cheiro das flores, das vozes das pessoas, de respirar livremente e... Do abraço do meu pai e da minha irmã. Dos abraços que tudo curam e fazem o futuro do amanhã melhor.


Cat.
2021.03.05

terça-feira, 18 de maio de 2021

Adeus (à) Vida XXXIV


 


Sei que não escaparei
Ao dia em que estes
Meus olhos fecharei
E a Alma largará as suas vestes.

De frente não olharei
Para quem me vem buscar,
Sei quem é, conheço o seu passar,
Não precisa que a venham anunciar.

Calma, sem receio, ficarei
Nessa hora que não tem par,
Não desejo cá ficar,
Neste corpo de matéria ímpar.

Deixarei que o coração pare,
Que deixe o sangue de bombear,
Que se acabe o respirar
E os olhos, para sempre, fechar.

Voa, Alma, voa,
Regressa ao teu verdadeiro lar,
Onde o verbo que reina é o amar.


Cat.
2021.03.02

Medo(s)

 




A noite já domina, a rua está silenciosa, não há passos na calçada. Só o frio e o orvalho de um dia de Inverno.
Tal como cá dentro, dentro de mim.
Hoje estou fria, analítica, crítica na e da verdade.
Hoje perguntaram-me porque não aplico a empatia que sinto pelos outros em mim. Que é raro encontrar alguém que racionalize de forma tão precisa o que sente e o que é como pessoa. Que tenho um auto-conhecimento como poucos. E com isso chega a auto-crítica.
A verdade é que desconstruo tudo o que sinto, tudo o que vejo, todas as atitudes, minhas e dos outros.
Sim, analiso.
Mas tenho sempre a capacidade de me colocar no lugar do outro e, com isso, perceber certas atitudes, comportamentos e reacções.
Gostava de o fazer comigo. Mas não consigo.
Há sempre um sentimento de culpa, ou de frustração, ou de arrependimento, ou de medo.
Tenho deixado o medo ser o guia de muitos aspectos da minha vida.
E o medo é uma imensidão de coisas e gigante como as ondas do mar em dia de tempestade.
Engole-me. Tolda-me o pensar. Faz-me não avançar. E eu preciso de avançar. Preciso de ser mais. De conseguir mais. De não tentar controlar para não sofrer ou desiludir(me).
É o momento de confiar. É o momento de arriscar. É o momento de crescer e de deixar o que me prende e me impede de voar.
Há muros, conceitos, medos que tenho de derrubar.
Eu tenho tanto para dar... Mas é por mim, pelo meu ser, que tenho de começar.
E sim, hoje estou fria, analítica, crítica na e da verdade. Sobre e para mim.


Cat.
2021.02.27

Nada sai


 



É na garganta que sinto
As palavras presas,
Impedindo-me de falar
E de respirar.
É um nó que não desfaz,
Que vai acumulando
Tudo que quero dizer,
Num emaranhado
Que difícil de perceber.
É tanto e é nada.
Porque nada sai,
Tudo fica.
Chega a doer
De tanto que tenho
Cá dentro, preso,
Pronto para se desfazer,
Para desaparecer,
Para se esvanecer,
Pois não há ninguém para ouvir,
E é tanto e (na realidade) é nada.


Cat.
2021.02.27