sexta-feira, 9 de abril de 2021

Saudades


 

Há saudades, é inevitável.

Saudades do corpo, do cheiro, do toque, de risos, de abraços... Uma infinidade de saudades neste momento.

Do sol, que brilha lá fora, num ameno morno típico de Primavera.

Do amarelo vivo dos narcisos, do vermelho das rosas, das pequeninas pétalas brancas das macieiras.

Do cheiro das frésias e da suavidade das tulipas.

Saudades do Mundo. Saudades de vida.

E as saudades podem tornar-nos amorfos, fazendo-nos definhar aos poucos, sem nos darmos conta. Lentamente como o passar dos dias: todos iguais mas a não deixarem de passar. Pior, a acumularem. Uns atrás dos outros. E o tempo passa e deixa marcas, umas menos profundas que outras. "Faz parte", dizemos nós.

Mas as saudades entranham-se mais que qualquer passar de tempo. Afundam no nosso coração e na nossa Alma mais profundamente que qualquer ruga no rosto. E estas, as rugas, são passíveis de serem amenizadas. As saudades, na maioria das vezes não.

Porque nem tudo o tempo cura.

E o tempo não cura a ausência de quem já nos fez feliz ou nos fez chorar. De quem nos acompanhou ao longo de anos, de quem fez dos nossos dias um dia diferente do anterior e do que veio depois.

A vida é um ciclo constante de vida e morte, de renascer e de voltar a cair.

Um ciclo que, cá dentro, do meu coração, se perdeu na dor das ausências. Um ciclo que ainda não passou desse momento que fala de ultrapassar. Um momento preso, num espaço cada vez maior de mim. Um espaço de vazio, de ausência e ao mesmo tempo, de saudades.

Porque há saudades que não se permitem esquecer.

Há saudades sim, é inevitável...


Cat.
2020.05.19

Tomara


 

Tomara que o vento
Leve de mim
Lembranças

Eternizadas no tempo
Em cores carmesim
De esperanças

Depressa,
Imediatamente,
Que eu não quero morrer
Desta dor que não tem fim...


Cat.
2020.05.22

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Dizer que te amo


 

A noite já reina e a lua vai-se mostrando timidamente por entre as nuvens.

Há um silêncio estranhamente familiar no ar. Há semanas que as noites passaram a dominar os dias nesta ausência de vida. De vida humana, porque os pássaros e as andorinhas esvoaçam por entre as árvores. Esta Primavera é atípica: não há ruído, não há a cores das flores excepto pela janela e o cheiro das laranjeiras em flor quase não se sente, pois até o vento se sente ausente.

Aqui dentro, há paredes com memórias e odores e vislumbres do que já foi.

É uma prisão, este confinamento que dura há dois meses.

É um tormento pois há uma mescla de sentimentos que não se explicam, não se aproximam e, no entanto, são constantes.

É um rodopiar entre o querer e o não querer.

É uma inconstância de querer manter as memórias e os momentos e de, ao mesmo tempo, desejar esquecê-los.

E por muito que abra a janela e respire o ar fresco lá de fora, o ar cá dentro sufoca-me, é difícil de respirar e paira sobre mim como a pressionar.

E no dentro de mim, no meu âmago, há vontade de gritar, de explodir, de expulsar a dor e de chorar por manter o que realmente vale a pena.

Sinto falta do lá fora. Mas, aqui confinada, sinto muito mais a falta de quem está ausente. Temporária ou eternamente.

Às vezes sinto que estou a enlouquecer, oscilando entre o bom e o mau.

Só tu, que me acompanhas os dias e partilhas o leito, as dores, as alegrias, as perdas, os risos e as lágrimas comigo, me dás alento para voltar a enfrentar mais um dia.

Estas semanas foram difíceis, com a lembrança de perdas e uma perda repentina que me vai doer eternamente.

Mas também foi o nosso melhor momento. Onde os laços que nos unem se apertaram, se fortaleceram e nos tornaram no melhor de nós. E eu tenho um orgulho imenso na pessoa que és, no companheiro que és. E dizer que te amo não é, jamais será, suficiente para te explicar e demonstrar o que sinto.


Cat.
2020.05.12

A ti Mãe...


A ti Mãe...

Entre o ontem e o amanhã há todas as memórias inesquecíveis. Todas as recordações. Todos os cheiros. Todos os sorrisos.

Entre o ontem e o amanhã há o constante te pensar. Nos conselhos que (não) segui. Nos caminhos que foram feitos em passo uníssono.

Entre o ontem e o amanhã há todas as batalhas que travamos. Todas as ideias contrárias. Todos os desgostos e desilusões.

Muitas vezes, entre o ontem e o amanhã, não havia diferença. Era o mesmo dia. Era o teu dia.

Como mãe e como celebração da vida. Em conjunto num único cenário de felicidade.

Entre o ontem e o amanhã já não há abraços, ou beijos, ou sequer o bater do teu coração. Já não há o que (me) eras.
E são dois dias que, juntos ou tão próximos, me fazem sentir, de forma tão mais profunda, a tua ausência.

Pudesse eu trocar o ontem e o amanhã por um momento contigo hoje.
Nem todos os dias foram fáceis.
Nem sempre nos ouvimos.
Nem sempre nos abraçámos ou beijámos ou rimos e brincámos.

E hoje, entre o ontem dia da Mãe e o amanhã dia do teu aniversário, há um vazio que me percorre.
Há um passar do tempo que se desfaz, como folhas perenes ou pétalas soltas da flor.

Há Primaveras que jamais terão a mesma cor.

Entre o ontem e o amanhã, há um hoje carregado de uma saudade que me deixa num estranho torpor...


Cat.
2020.05.04