terça-feira, 30 de março de 2021

Ele(s) X

 


Ela:
É no quente do leito que mais sinto a tua falta: há um frio quando deito a cabeça na tua almofada.
Fica apenas o teu cheiro.
Não posso mais que não seja desejar este momento eternizar, num recanto da memória e aí, para sempre o guardar ou acrescentar uma nova história.
Gosto de pensar que és meu, mesmo quando aqui não estás. Que me pensas no meio do dia e que anseias por uma nova vinda.
Sei que tens um mundo lá fora, para além desta cama e que nunca imaginei que me abalasse tanto cá dentro.
Era uma brincadeira, uma picardia e o desejo do corpo que, a cada mensagem recebida, a cada atrevida fotografia, tremia.
O desejo do pecado, do proibido, que dizem e concordo, é o mais desejado.
Esqueceram foi de avisar que a intimidade é que importa: além do corpo e do toque, a mente em sintonia.
E agora aqui deitada, mesmo no quente, sinto a cama fria...

Ele:
Acabo de fechar a porta onde ficas deitada, na cama onde acabei de te sentir toda minha.
Tenho vontade de voltar para trás e de ao teu lado, me deitar, deixar ficar e adormecer.
O êxtase em que me deixas por em ti poder entrar, leva-me as forças e deixo de pensar: só por ti anseio, por te poder tocar, sentir, penetrar e o teu sabor sentir no paladar.
És um pecado em todos os sentidos.
És o desejo tornado realidade e não imaginas o quanto te anseio.
Mas o que me retém à porta e impede de ir embora, é a minha vontade de te ter sempre minha. O teu sorriso não me abandona, o teu humor é a representação do que mais me encanta.
Mas o que me detém à porta e impede de entrar, de regressar, é a tua independência, o teu de mim não precisar.
O que te passa pela cabeça quando viro costas? Pensas em mim como eu em ti? Querer-me-às pertencer como eu pertenço a ti?
Apanhaste-me mulher, no meio do jogo em que me sentia rei, acabei por perder e se não me voltares a querer, a minha vida perde sentido, eu sei.
Mas sigo caminho e deixo-te no leito, não onde apenas te possui, mas onde o corpo e a alma amei.


Cat.
2021.01.30

segunda-feira, 29 de março de 2021

Talvez seja


 

Lá fora acontece aquele momento do dia em que o crepúsculo inicia mas a noite ainda rege o (meu) mundo. Ainda há luzes a bailar por entre os ramos das árvores despidas de folhas. Ainda não há sons de pessoas a passar na calçada, nem o som das conversas entre vizinhos no passeio da rua. Os sons são dos poucos pássaros aventureiros e destemidos que enfrentam as madrugadas de Inverno.

Aqui, dentro do meu quarto, não é diferente. Há uma vida latente, à espera que o tempo passe e se acorde para a vida se repetir na sua (im)previsível rotina.

Excepto eu.

Eu já acordei. Eu já respiro o amanhecer. Eu já despertei da tão abençoada letargia do dormir, do fechar os olhos e do não pensar. Do não ver. Do não sentir.

Às vezes penso que não sentir é uma bênção. Ser indiferente ao que me rodeia. Poder encolher os ombros como um simples "é a vida" e continuar a viver os dias de forma inabalável.

Mas não, cá dentro de mim, há coisas que não me são indiferentes. Há coisas que, apesar de não serem comigo, me abalam da mesma forma. Há coisas que vejo, por vezes até "banais" que me fazem pensar numa escala diferente, como que a pensar do que as pessoas são capazes de fazer. Há coisas que para mim são impensáveis e fico chocada, verdadeiramente chocada. E neste momento, neste preciso momento do choque, é que me apercebo que o Ser Humano é um animal que tem muito, mas mesmo muito, para aprender, para crescer, para, no fundo, se aperfeiçoar.

Talvez devesse fechar as olhos e o coração, fazer de conta que não vi e quem não vê é como quem não sabe...

Talvez seja empática em demasia.
Talvez seja expectativa em relação às pessoas em demasia.
Talvez eu me reja por um código demasiado exigente.
Talvez a minha consciência seja demasiado intransigente...
Não sei. Acho que nunca saberei. Sei apenas que me dói, a Alma e o coração, com tanta falta de amor.
Amor por nós, pelo próximo e pelos outros seres vivos.

Às vezes gostava de me manter, na exacta redundância, da dormência de (um qualquer) dormir.

Cat.
2020.01.04

Singelo


 


Singelo
O cair do dia,
Desvendando, docemente,
O que guardo comigo.
A noite a surgir,
Devagar, no seu compasso,
A ansiedade a subir
Como o desejo de (te) possuir.
Suave calor
Que do ar se esvai,
Aumenta o ardor
Nos sítios que são teus.
Não demores meu amor,
Aguardo-te com todo
O meu ser,
O meu amor,
O meu querer,
O meu te pertencer.
Assim, sem rodeios,
Singelo.


Cat.
2021.01.22

sábado, 27 de março de 2021

Só quem fica


 

Dizem que a morte é negra, sombria, pesada e fria. Dizem.
Talvez a morte seja o contrário.
Talvez a morte seja alívio.
Talvez seja a liberdade na sua mais pura forma.
Talvez seja deixar as dores do corpo, da alma e do coração para trás.
Talvez seja ver com clareza e com optimismo o largar das penas.
Talvez a morte não seja assim tão má.
Excepto para quem cá fica.
Para quem, eventualmente, possa chorar por nós.
Para quem se vai privar de nós e sentir a nossa falta.
Para quem, nos mais ínfimos detalhes se recorde de nós. Do nosso sorriso, do nosso abraço, do nosso cheiro, do nosso amor...
Para quem fica com a saudade, a ausência e o vazio.

Talvez, para esses, a morte seja negra, sombria, pesada e fria.
E só quem fica pode dizer o que é a morte...

Cat.
2020.01.03