sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Silêncios XIV



A noite vai a meio do seu curso e reina com todo o seu esplendor.
Não há sons, tudo é silêncio. Um silêncio ensurdecedor, enorme, gigante.
Não há pessoas a passar na calçada ou pássaros a esvoaçar.
Não há folhas nas árvores a baloiçar ao sabor da brisa pois esta também está ausente.
É como se tudo parasse, ficasse imóvel, estagnado. Mas não, o tempo continua a passar sem se deter ou fazer caso desta inusitada paragem na vida.
O silêncio é tal que, aqui dentro deste quarto, do lado de dentro da janela, ouço o bater do meu coração.
Forte, ritmado, no peito. O único sinal de que ainda há vida aqui. Lá fora e em mim.
É que também eu estou suspensa na vida. Com a única certeza de que apenas o silêncio do futuro me espera.
E tudo em mim é silêncio. Mesmo de olhos abertos, a mente não se desperta, não se alimenta, não me fala da habitual forma inquieta. Dorme, mas também não descansa. Está em constante alerta, à espera da hora certa para despertar. Como o dia lá fora.
E o silêncio impera: na mente, no quarto e na noite.
Só o bater do coração me assegura que não, que ainda não estou morta...


Cat.
2018.10.22

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Somos instantes


 
 
 
Somos instantes...
Não sei quem o disse, mas decerto muitos já o disseram.
Agora digo eu: somos instantes.
Para tudo, para todos, em tudo e em todos os lugares, situações e pessoas.
Não passamos de instantes. Momentos que passam. Mais ou menos rápido.
Instantes em que o olhar que se cruza com outro faz magia ou não. E mesmo a magia dura um instante. Mais ou menos longo.
A verdade é que na vida tudo é passageiro. Um instante. Mais ou menos demorado.
Instantes que nos ficam ou não na memória. Mais ou menos gravados.
Tudo passa, passou ou passará. As dores, os sorrisos, as lágrimas e os (des) amores.
Imaginar que somos uma câmara fotográfica em constantes disparos. São tantos os instantes que vivemos que muitos nem são notáveis de reparo.
E como esses, também nós passamos despercebidos aos olhos e vida de tanta gente.
Também nós somos instantes. Mais ou menos importantes na vida de alguém.
Somos instantes, tão pequenos, tão insignificantes no contexto do que é o Mundo.
E tão importantes no que vemos com os nossos olhos, no que é o nosso mundo. E achamos que não somos só instantes, que vamos perdurar e para sempre durar, nem que seja na memória de alguém que nos é mais do que isso, um simples instante.
Mas somos, instantes que passam num instante. Hoje somos os maiores, amanhã não passamos de um mero instante...
 
Cat.
2018.10.17

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Domingo




É ao domingo que mais penso.

Durante a semana o correr do dia passa frenético e alucinante. Quando dou por mim já estou deitada, exausta e a adormecer no sofá, sem usufruir da vida.

É ao domingo que mais penso.

Acalmo o corpo, a mente e olho para mim. Para o que sou, o que fui e o que serei.

Olho para o que tenho, o que quero manter e o que quero largar.

Olho para as pessoas que me rodeiam e de como me sinto com elas e de como se sentirão comigo.

Olho para os que, a cada dia, se distanciam e que mantenho guardados em mim.

Sei que não sou perfeita, e estou longe de ser a amiga ideal ou a companheira ou a filha, irmã incansável e sempre presente.

Sou falha em muitas coisas, em muitos aspectos e em muitos actos. Concretizados ou por concretizar.

É ao domingo que mais penso.

Que posso sempre ser ainda melhor. Que posso julgar ainda menos.

Que posso, em cada situação, calçar os sapatos dos outros e ver com os seus olhos.

Que posso não guardar rancor ou mágoa por sair ferida de alguma situação.

Que posso sempre pedir por mais alguém que não só eu.

Eu sei que posso ser tão melhor. Mas às vezes é preciso olhar para nós e lutar por nós, pelos nossos sonhos, pelo que queremos. E isto não é egoísmo, é apenas vontade de ser feliz.

E hoje, ao contrário do dia lá fora, não choro e não me culpo por pensar em mim. Por querer mais e que melhor posso ter para mim.
 
 
Cat.
2018.09.30
 

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Negro


 
 
 
Há dias que parecem noites, apesar do brilho do sol, são negros. Negros como breu, sem ponta de luz, sem um vislumbre que permita ver um pouco que seja. E que assim nos deixam o coração, negro, pisado, magoado. E um aperto na boca do estômago, que quase nos faz deitar fora as próprias vísceras. Acredito que se o fizesse seriam negras, de tão podre, estragada me sinto.

E as lágrimas que costumam cair sem necessidade de autorização, estão presas, ali, bem por trás do negro dos olhos. Não, não saiem. Não, não caiem. Não, não me vão aliviar esta dor. Não, não vão lavar e expurgar o dia de hoje.

Há pessoas assim, que por nunca se colocarem nos pés dos outros, nos deixam assim, negras.

Há pessoas que vivem num túnel mas ao contrário: lá longe não vêem nada, só o perto do umbigo é visível e logo o que é importante,válido e real. Perfeito até.

Há pessoas que só brilham quando os outros estão na escuridão. Por elas lá colocados ou não.

E há dias em que as palavras por essas pessoas proferidas são tão negras que nos trespassam, deixam marcas e nos matam por dentro, num misto de surpresa, incredulidade e revolta.

Dias em que quase sentimos o negro, o sujo das palavras e actos na pele, como se fosse preciso lavar e esfregar até nos livrarmos de tanta escuridão...

Hoje tudo é negro como a noite que já impera lá fora.
 
 
Cat.
2018.09.29