É no nascer do dia que a noite morre. Deixa de se sentir. Permite-se deixar de existir. E suspensa fica, intermitente num respirar que é quase ausente. Os olhos deixam de a ver e mantém-se, ao passar dos outros e dos seus olhares, indiferente. Distante. Não-vivente. As horas deixam-se escorrer por entre os ponteiros de relógios de gentes apressadas na rotina dos dias. Até que chega o momento de renascer. De voltar a viver. De voltar a sentir. Tal como eu à espera de ti. Dia após noite. Cíclicos. Repetidos num movimento sempre igual e constante. Ciclos a que já me habituei...
Sim, sinto. Sei que parece impossível, quase idiota, mas sim, sinto-te a falta.
Nos dias em que as nuvens decidem chorar e apetece ficar em casa com o cheiro do bolo acabado de fazer. E o chá na caneca que serve para aquecer as mãos.
E nos dias de sol ameno, em que o jardim se enche do aroma das pequenas frésias coloridas ou das flores de laranjeira que o zumbir das abelhas acompanha, como que de mãos dadas.
E ver-te. Sinto falta de te ver. Dos teus olhos azuis cheios de uma vida vivida e vívida. Do teu sorrir quando os disparates me saiam pela boca como verdades empíricas.
Que sabia eu da vida? E ainda agora, com o que já vivi, não sei nada ainda.
Há caminhos que percorremos com receio de errar e sem os teus conselhos são mais difíceis de ultrapassar.
Sim, sinto-te a falta.
Mesmo nos dias em que as nossas conversas azedavam e nos afastavam. Pontos de vista diferentes e formas de olhar a vida diversas.
Mesmo nos dias em que não te orgulhavas de eu fazer parte de ti. Sim, sei que tiveste alguns. Talvez demais...
E nos dias em que me olhavas e vias, não a menina perdida e carente, mas a mulher decidida e firme, avançando nos dias da vida. Crescendo e ficando adulta.
Sim, sinto-te a falta.
Do carinho que só tu sabias dar. Do teu sentido de humor único e singular. Do amor incondicional que só tu tinhas por mim.
Das palavras que queria ter-te dito e ficaram guardadas no sufoco de um respirar.
Dos beijos e abraços que ficaram perdidos em momentos “menos apropriados”. E abraços e beijos e amos-te não têm tempo certo a não ser o tempo que se impõe pela vontade. Aquele momento, naquele tempo, naquele sentir que fica gravado em quem dá e recebe. E faltaram-me mais tempos e momentos destes...
Faltas-me, cada vez mais.
Odeio-te.
Às vezes odeio-te ao ponto de querer bater-te. De querer trincar-te todo. De raiva,de um ódio que me sobe das entranhas. Que me enche por completo.
Às vezes odeio-te tanto que só me apetece mandar-te embora. Desistir de tudo. Viver só mas tranquila, sem este sentir que me mata e definha. Deixar de me sentir inútil e pequenina. Deixar de me sentir culpada sem ter culpa alguma.
Odeio-te.
Às vezes odeio-te ao ponto de odiar a mim mesma. Esta imperfeição de ser gente que odeia e ama e sente.
E por isso pareço demente, neste limbo de sentimento. De não te querer e desejar ter-te sempre presente.
Odeio-te.
Às vezes odeio-te. Quase tanto quanto te amo...