sábado, 27 de abril de 2013

Carta I

Não me escrevas hoje.
Não me contes como correram as tuas horas cheias de pessoas vazias de valor.
Não quero saber que me sentiste a falta, que a minha ausência de ti te pesou na alma como uma cruz impossível de carregar.
Não quero que libertes essas palavras guardadas na garganta que anseia por as gritar num som quase mudo.
Quero-as aí, bem presas, sufocadas nessa tua saliva demasiado seca e escassa, fazendo-te a língua num nó que não deslaça.
Quero-as escritas em papel de folha alva, imaculada e sem marcas dessas gotas salgadas que te brotam do olhar quando em mim pensas. Escritas a caneta de tinta invisível, impossíveis de ler mesmo por quem as recebe em dedicatória.
Não! Hoje não quero que me fales, escrevas ou descrevas.
Hoje quero que mostres, tudo isso, tão somente e apenas...
24.Abr.13

Nada em mim...

E a tarde acaba em simultâneo com o brilhar dos raios de um sol que hoje foi Verão.
O silêncio é quebrado pelo riso de crianças que ainda brincam na rua quase imitando o chilrear dos pássaros que procuram poiso para pernoitar.
O quente do dia é substituído pela brisa fresca das noites desse orvalho que de manhã mata a sede das flores de Primavera.
Os cheiros são mesclas de frésias amarelas e flores de jasmim que se baloiçam num dançar ritmado pelo vento.
 
Aqui, já não há vento, nem sol, nem brisa fresca ou chilrear de aves.
Aqui, há um silêncio que sabe a ausência. Uma ausência que me abre o peito num vazio carregado de Inverno.
Sinto-me ausente de mim mesma. Numa não existência de pensamentos, de não haver raciocinar, de não conseguir cadenciar palavras em frases que mesmo que digam tudo demonstram nada.
Nada cá dentro. Dentro do peito, dentro de mim, dentro da Alma.
 
Há inícios de noite assim: em que a luz da Lua não reflecte nada em mim...


24.Abr.13

Dicionário de Coisas Simples VII


E o ontem?
O ontem é o sabor de um novo beijo,
Renovado a cada lembrança
Dos teus lábios nos meus.


E o hoje?
O hoje são as margens deste rio
Que me acompanha a cada minuto,
Que como eu a cada maré renasce,
Como a força do teu cheiro
Cravado no meu.


E o amanhã?
O amanhã é o som da chuva
Que desliza no corpo quente,
Como a saliva da tua boca
Saboreando-me a pele.
23.Abr.13



Gente que sente

 
O que sou?
Sou gente que sente.
Um rosto marcado pelo tempo que passa.
Sou lágrima que não dói, que acompanha a calma.
Sou riso que magoa, que traz a desilusão na alma.
Sou verdade parcial num jogo de palavras.
Sou mentira superficial numa melodia de dor carregada.
Sou amor egoísta numa cama onde sou levada.
Sou culpa altruísta num abraço de alma curada.
Sou caminho que avança e muitas vezes está parado.
Sou andar seguro sobre arame fino.
Sou querer e não poder fazer.
Sou dar e muitas vezes mais, receber.
Sou a lua e o sol numa dança eternamente incompleta.
Sou imperfeita no agir, no falar e no ser.
Sou humana com todo o meu insuficiente saber e constante vontade de aprender.
 
23.Abr.13