quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A vergonha da alma...


A passagem pelos dias é feita de forma invariavelmente irregular e permanentemente inconstante.
O que sou foi-se moldando ao longo dessas horas que fui acumulando em dias tranformados em anos. Fui criando uma forma de estar e de olhar os retalhos de vida minha, tua, deles, de ninguém e de todos, numa amálgama de formas de agir e de sensações que tornam difíceis a digestão de tantos sabores das emoções que me provocam.
Por vezes chega a doer-me a boca do corpo mesmo ali na entrada da alma e há vontade de fechá-la, impedir que me adentrem no coração e me façam marcas indeléveis.
Mas não posso.
E este não poder faz-me fazer de mim o que sou, com a minha forma única de evitar estes sentires.
Por vezes invadem-me vontades de reacções em que não me reconheço no correr habitual dos minutos que sopram velozes no dorso do tempo.
Mas são minhas. E a vergonha da alma esse a que chamam arrependimento, por vezes também é meu dono.
A vergonha do erro, da injustiça é muito superior à vergonha ruborizada aquando do desejado e sonhado toque nos lábios, ou do corpo tão imperfeitamente perfeito que posso ter.
E são raras, muito raras as vezes em que esse sentimento se apoderou de mim.
Raramente me envergonhei assim, da alma!
E tu?
Já te envergou a alma?
Já te conseguiste perdoar de a teres deixado corar num encarnado demasiado sangue?
28/08/2012

Remendada


A vida não passa de uma manta de retalhos que unimos uns aos outros com o fio que tece os dias que correm.
Retalhos de memórias que são factos da nossa vivência e percepção sobre o que nos vai acontecendo carregados de emoção e sensações.
Só o que nos marca nos fortalece e ajuda a crescer, perceber e entender. Seja bom como o sol de Verão à sombra de uma oliveira, como o mar que nos enrola o corpo na ponta da areia ou menos bom como o vento que nos gela a alma vazia aquando de uma perda.
Retalhos que são meus e teus em dias juntos e unidos em sintonia.
Retalhos que são meus carregados de ausência e sonhos desvanecidos na tela que queremos desenhar e de cor pintar.
Retalhos que se unem, encadeiam em ciclos de dias, meses, anos e que não se findam. Pelo contrário multiplicam-se.
Eu tenho a pele vestida de imensos retalhos de vida. E nunca chegam, nunca estou completa, nunca me preencho e a busca pelo retalho que cobrirá o restante do meu corpo um dia terminará. Até lá, vou ficando, dia após dia, cada vez mais remendada.

27/08/2012

Por vezes...


Por vezes canso-me de mim própria e imagino-me sendo tudo o que não sou.
Como se encarnasse uma personagem com forma de pensar e sentir e agir e reagir diversas da minha.
Uma personagem onde posso ser tudo o que quero e não quero ensaiando reacções e respostas que na minha pessoa diária jamais faria.
E olho-me assim, de frente ao espelho do que não sou. Um reflexo de uma outra eu, uma mim sem o que sou.
Sim, por vezes quero ser muito diferente do que sou, mas o espelho que reflecte a minha pele não me mostra algo que eu goste. Apenas porque é falso. Trabalhado. Manipulado.
E vou retirando as características que fui criando para parecer outra que não eu.
Uma a uma.
E sobro eu.
De novo.
Com os defeitos que não consigo mudar e as qualidades que me são fiéis.
Não há maior vergonha que ser alguém que não somos.
E eu sou o que sou.
Sem máscaras que sempre acabam por cair...
23/08/2012

Há dias...

Há dias em que nos sentimos tolhidos e toldados, formatados numa vontade que não é nossa, que nos ultrapassa e nos invade movimentos e pensamentos.
Como se levados numa corrente que não tem destino ou objectivo ou que mesmo tendo não é de todo perceptível ou o que desejamos. Mas ainda assim nos consegue arrastar no seu meio pelas pontas dos dedos que se deixam tocar por essa vontade de nos deixam os levar.
Uma vontade de não querermos lutar e desistir para apenas descansar num suave mar em que as ondas vão por dentro e na pele, no sorriso de falsa felicidade por aí navegar.
Será errado tentar não ser quem somos? O que o nosso íntimo nos diz, nos faz ser?
Não sou melhor que ninguém, erro, provoco dor e deixo mágoa nos que por mim passam. Mas não o faço com esse propósito.
E isso, mata-me, revolta-me as entranhas e o coração quer deixar de sentir.
Gostava de ser mais uma na onda destas marés cheias e vazias em que apenas eu contasse.
Há dias em que gostava de ser guiada pelo caminho que não me mostrasse a beleza e a fealdade do que me rodeia, destes extremos que somos capazes de provocar e trazer amarrados à pele que é a nossa.
Guiada, conduzida, insensível, sem medos ou pensamentos que me invadissem.
Há dias em que não me apetece viver, apenas apetece existir.
 
23/08/2012