quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Melancolia...


O sol vai alto no céu azul e imenso de cor a fim de Verão.
O vento teima em levantar a poeira do caminho e obrigar as ervas altas e douradas de cor palha que ladeiam o poço que há muito secou a movimentarem-se numa dança descompassada e suavemente atribulada.
Os sons das alfarrobas a largarem o ventre da árvore mãe e a cairem no seco do chão quebram a monotonia da brisa baloiçante.
Os cabelos soltos teimam em invadir-me o rosto e a fustigar-me a face como um suave roçar de dedos.
A melancolia invade-me numa forma desconhecida em mim.
Uma espécie de ausência e vazio, como o imenso mar de terra cor salpicado aqui e além por uma oliveira que os pássaros acolhem como deles poupando-se ao calor deste sol que queima.
Quase um oásis no deserto.
Quase uma esperança no desespero.
Quase um sorriso por entre as lágrimas.
Por vezes sou confrontada com vazios que me preenchem por completo, que me dominam a alma e infectam o corpo. Um veneno que chegando ao coração, depressa se espalha e entranha e nunca mais me larga.
O coração que devia ser como o poço: vazio de tudo e cheio de nada.
Apenas existir sem sentir o que sente.
Sem saudades do que não teve.



30/08/2012

A vergonha da alma...


A passagem pelos dias é feita de forma invariavelmente irregular e permanentemente inconstante.
O que sou foi-se moldando ao longo dessas horas que fui acumulando em dias tranformados em anos. Fui criando uma forma de estar e de olhar os retalhos de vida minha, tua, deles, de ninguém e de todos, numa amálgama de formas de agir e de sensações que tornam difíceis a digestão de tantos sabores das emoções que me provocam.
Por vezes chega a doer-me a boca do corpo mesmo ali na entrada da alma e há vontade de fechá-la, impedir que me adentrem no coração e me façam marcas indeléveis.
Mas não posso.
E este não poder faz-me fazer de mim o que sou, com a minha forma única de evitar estes sentires.
Por vezes invadem-me vontades de reacções em que não me reconheço no correr habitual dos minutos que sopram velozes no dorso do tempo.
Mas são minhas. E a vergonha da alma esse a que chamam arrependimento, por vezes também é meu dono.
A vergonha do erro, da injustiça é muito superior à vergonha ruborizada aquando do desejado e sonhado toque nos lábios, ou do corpo tão imperfeitamente perfeito que posso ter.
E são raras, muito raras as vezes em que esse sentimento se apoderou de mim.
Raramente me envergonhei assim, da alma!
E tu?
Já te envergou a alma?
Já te conseguiste perdoar de a teres deixado corar num encarnado demasiado sangue?
28/08/2012

Remendada


A vida não passa de uma manta de retalhos que unimos uns aos outros com o fio que tece os dias que correm.
Retalhos de memórias que são factos da nossa vivência e percepção sobre o que nos vai acontecendo carregados de emoção e sensações.
Só o que nos marca nos fortalece e ajuda a crescer, perceber e entender. Seja bom como o sol de Verão à sombra de uma oliveira, como o mar que nos enrola o corpo na ponta da areia ou menos bom como o vento que nos gela a alma vazia aquando de uma perda.
Retalhos que são meus e teus em dias juntos e unidos em sintonia.
Retalhos que são meus carregados de ausência e sonhos desvanecidos na tela que queremos desenhar e de cor pintar.
Retalhos que se unem, encadeiam em ciclos de dias, meses, anos e que não se findam. Pelo contrário multiplicam-se.
Eu tenho a pele vestida de imensos retalhos de vida. E nunca chegam, nunca estou completa, nunca me preencho e a busca pelo retalho que cobrirá o restante do meu corpo um dia terminará. Até lá, vou ficando, dia após dia, cada vez mais remendada.

27/08/2012

Por vezes...


Por vezes canso-me de mim própria e imagino-me sendo tudo o que não sou.
Como se encarnasse uma personagem com forma de pensar e sentir e agir e reagir diversas da minha.
Uma personagem onde posso ser tudo o que quero e não quero ensaiando reacções e respostas que na minha pessoa diária jamais faria.
E olho-me assim, de frente ao espelho do que não sou. Um reflexo de uma outra eu, uma mim sem o que sou.
Sim, por vezes quero ser muito diferente do que sou, mas o espelho que reflecte a minha pele não me mostra algo que eu goste. Apenas porque é falso. Trabalhado. Manipulado.
E vou retirando as características que fui criando para parecer outra que não eu.
Uma a uma.
E sobro eu.
De novo.
Com os defeitos que não consigo mudar e as qualidades que me são fiéis.
Não há maior vergonha que ser alguém que não somos.
E eu sou o que sou.
Sem máscaras que sempre acabam por cair...
23/08/2012