sexta-feira, 30 de abril de 2021

Adeus (à) Vida III




Cansado e carregado
De pesado desalento
O coração faz a vontade
E a Alma segue-lhe o exemplo.

O corpo inerte,
Sem respirar,
Sem vida, agora, permanece
Num eterno descansar.

Um último desejo
Quer ver concedido:
Ser cinza espalhada
Num campo qualquer,
E qual pássaro voando,
Livre finalmente,
Pertencer
Onde quiser.


Cat.
2020.12.04

 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Adeus (à) Vida II


 

Ouve-me:
Quando o vento Sul
Não cheirar a mar,
Quando o orvalho
Deixar de molhar
E as nuvens negras
De chorar,
Não te apoquentes,
Sou eu a partir.

Dir-te-ei adeus
Com tempo, sem pressa,
Será todos os dias
A cada hora, minuto
Que passa
Na sua eterna pressa.

Deixará, para mim, de haver vida
Como o meu coração,
O corpo inerte, deitado,
Já sem sentir o que havia.
A Alma despedaçada,
Cortada,
Partida e pequena,
Será espalhada
Como de uma flor
As pétalas, no chão
Caída, perdida na erva...


Cat.

Adeus (à) Vida I


 

No dia em que me acordares
E os olhos eu não abrir,
Por favor, não chores,
Assim já deixei de sentir...

O ar passa livre por mim,
Sem obrigação de entrar
E de assim ter um fim:
Fazer-me a dor perdurar...

O sangue pára por fim,
De desenfreado correr,
O frio apodera-se de mim
Não há forma mais perfeita de morrer...

O corpo frio enrijece
Com o passar das horas,
E já nada m' entristece.


Cat.
2020.12.03

Avó


 

Há dias que não se esquecem.
Não importa o ano, muitas vezes as datas, com o tempo, se esvanecem.
Mas hoje, um dia 3 de Dezembro, há uns anos, marcou-me e jamais o esquecerei.
Lembro-me dos seus olhos azuis, diferentes dos meus e dos da minha mãe. É verdade que as cataratas, mais para o fim, não ajudavam a definir o azul, mas lembro de serem cor do céu em dia de Verão. Imensos e intensos.
Recordo o seu humor, numa malandrice escondida de quem já não tem pudor.
E o seu riso! Como era contagiante e sempre presente, mesmo quando a tosse teimava em levar a melhor.
Um dia pediu para passarmos a levar camisolas, que com a idade eram mais aconchegantes...
E recordo ainda mais as suas mãos, os dedos recolhidos, tolhidos pelas artroses de quem nunca teve tempo para as tratar.
Imagino a dor... Não só a de não se poder mexer um elemento básico do corpo, como a dor e frustração de não conseguir apertar um botão de uma blusa.
Mas o sorriso nunca a abandonou. E a gulodice. "Bolachas, mas só dois ou três pacotes que as irmãs malvadas roubam tudo. Eu sei quando vão comer-me as bolachas." E logo de seguida uma inconfidência sobre a incontinência de uma delas e a gargalhada como quem diz: cá se fazem, cá se pagam!
Nunca fomos íntimas. A relação degradada entre mãe e filha não mo permitiram. Mas havia um amor, um carinho inerente a quem é sangue do mesmo sangue, para quem se olha e vê parte de si. E eu era a "sua netinha". Aquela a quem deu 100 contos para o vestido de noiva. Sou um desastre: nunca casei... Acho que nunca se importou com tal.
Hoje faz anos que recebi a notícia da sua partida. E recordo os seus curtos cabelos quase todos brancos e a alegria que sempre tinha no rosto mesmo que não fosse o que o sentisse no seu coração.
Como é vívida a imagem do seu sorriso na minha memória!
Sim, há dias que nos marcam. Pela tristeza e pela alegria das recordações...


Cat.
2020.12.03