terça-feira, 15 de maio de 2018

Vício


O sabor
Da pele molhada,
Do corpo salgado
Depois de te amar. 

O cheiro
Do teu corpo
Misturado no meu
Depois de te abraçar.

O sabor
Da tua língua na minha,
Das bocas unidas
Depois de te beijar.

O cheiro
Do teu sexo no meu,
Do culminar da fantasia,
Depois de me te entregar...

O tremer do corpo,
A sofreguidão de te ter,
A ofegante calmaria depois de,
Em mim,
Te receber,
É o que me vicia.
Ter-te,
Pertencer-te,
Dar-me e receber-te,
É o que me vicia.


2017.11.06

Apenas livre






A noite ainda reina, se bem que apenas por mais uns minutos. As estrelas já não se mostram no céu, envergonhadas pela luz de um sol que começa, por detrás da colina, a brilhar.
Na roseira, as pétalas já gastas ganham um novo tom, mais vivo, mais forte, à custa das gotas do orvalho.
Os pássaros ainda não cantam, mantêm-se resguardado, suspensos nos ramos das árvores, à espera que a vida (re)comece.

Assim como eu.

Aqui, dentro destas quatro paredes; dentro desta carne, confinada.

Presa. Ao ritmo das horas e do correr dos dias, das obrigações e compromissos que me dominam a vida.
Presa. Ao respirar e ao correr do sangue, cadenciados, quase imperceptíveis, quase incontroláveis.
Presa, em ambos os sentidos, metafórica e literalmente.

Apenas livre por poder vaguear até onde o corpo puder.
Apenas livre nos momentos em que a mente, se ainda tiver força, se ainda tiver esperança, ainda quiser acreditar...

Aqui dentro a noite ainda se faz sentir, mesmo sem o habitual sonhar, mesmo sem o necessário dormir.
 
 
2017.08.16

Já fui



Sabes,
Já fui uma mulher desprezada. Das que ficam em casa, sós, abandonadas ao seu próprio desprezo. E sim, desprezei-me por me deixar arrastar num tempo (quase) infindável de dias sem apego, num existir de apenas (sobre)vivência forçada.

Sabes,
Já fui uma mulher desprezível. Das que se condenam à boca cheia pela vergonha alheia. Não é suposto viver uma vida dupla, mesmo que não se chegue a concretizar o acto. Não é suposto chegarmos a apaixonarmo-nos enquanto não se resolve o que está para trás. Não é suposto que algo se sobreponha à opção do compromisso, mesmo que se esteja sozinha, abandonada ou desprezada. Não há desculpa para tal escape, para conversas que nos façam olhar para nós como alguém desejável, excitante e interessante. Depois do compromisso assumido a vida morre ali: aos olhos dos outros, se isso não acontecer, seremos sempre desprezíveis. Num primeiro impacto, num primeiro olhar, numa primeira perspectiva seremos sempre traidoras, culpadas, putas e, portanto, desprezíveis.

Sabes,
Agora não me importa o que pensam, se me condenam ou elevam.
Agora importa-me olhar no espelho e saber que sou fiel a quem realmente interessa: a mim. Ao que sou, ao que quero, ao que amo e ao que me desespera, ao que não desejo e ao que me faz vibrar. E não tenho vergonha do que sou, do que fiz, do que senti ou desejei, do que disse ou nunca verbalizei.

Sabes,
Agora gosto-me mais do que alguma vez me gostei. Com todas as minhas perfeitas imperfeições.
 
 
2017.08.12

Se os meus olhos falassem

Se os meus olhos falassem o que diriam?

Que as salgadas lágrimas que deles brotam são de dores ou alegrias?

De todos os momentos em que o sol, apesar de brilhar, não me aquecia o coração, não me chegava à alma.

De cada vez em que recordo a minha mãe e sei que o seu abraço era único e que sou privilegiada por ainda não ter esquecido o seu cheiro, o calor do seu corpo.

Naquele instante em que te olho, meu amor, e não resisto à felicidade que é tu me amares e como perfeita me veres e sentires.

Se os meus olhos falassem diriam que a cada dia há um sentir diverso, um ver diferente.

Há um sonho que morre e uma esperança que nasce.

Há lágrimas que quase me matam e outras que me renovam.

Se os meus olhos falassem diriam que eu simplesmente vivo!


2017.08.07