quinta-feira, 1 de abril de 2021

Gota numa janela


 

Tento escrever qualquer coisa, o que quer que seja e nada.

Não há palavras.

Não há memórias.

Não há sentires.

Nada.

Há uma mesa de café, pessoas reunidas a falar de uma qualquer banalidade do dia.

Ao fundo joga-se bilhar e há um casal que fala baixinho no meio de tanto ruído. Ela sorri enquanto ouve o que ele diz. Não são novos, não estão apaixonados, mas têm entre si aquela cumplicidade de quem se conhece, de quem ainda ouve com interesse o outro.

Lá fora chove. Numa cadência sem ritmo, cria uma melodia que me deixa ausente deste local.

As gotas na janela, escorrendo pelo vidro, fazem desenhos que parecem caminhos. Ora unindo-se a outras, ora afastando-se de novo. E neste (des)cruzar encontro um paralelismo, para mim evidente, com a vida.

Como se o caminho fosse apenas um. Num único sentido, sem possibilidade de voltar atrás. Por vezes rico, transbordante, carregado de vida e rápido. Ou solitário e parecendo parado no tempo. Unindo-se e separando-se de outras gotas, aumentando e diminuindo o frenesim de o percorrer.

A vida é uma janela carregada de gotas de chuva. E eu sou uma dessas gotas, às vezes parada, às vezes correndo. Às vezes num rumo cheio de curvas, isolada. Outras acompanhada e percorrendo o mesmo caminho.

Gota numa janela. Criando o seu percurso, deixando a sua marca, crescendo, perdendo e ganhando outras gotas pelo caminho.

Gota numa janela. Tão visível e, no entanto, tão transparente e insignificante...


Cat.
2020.01.17

quarta-feira, 31 de março de 2021

Abraço apenas


Há dias em que só queres um abraço.

Um abraço em que apoias a cabeça no peito e não há mais nada. Excepto aquele bater de coração para saberes que ainda há vida em ti.

Um abraço sem palavras, sem perguntas ou dúvidas. Apenas um abraço.

Um abraço que, apesar do silêncio, te acalma a angústia, te leva os medos. Apenas um abraço.

Um abraço que te faz respirar fundo e abrandar os frenesim da mente. Apenas um abraço.

Um abraço de carinho, de amor, de confiança em ti e no futuro. Um abraço renovador. Um abraço de alento... Apenas um abraço.

Há dias em não tens coragem de o pedir apesar da enorme necessidade. E há dias em que pedes. E há dias em que recebes. E há dias em que não. Em que pedir um abraço é sinal de fraqueza. É sinal de falta de amor próprio. É sinal de mendigar pois porque carinho e amor não se pede...

Pede. E não devia ser vergonha ou sinal de fraqueza. É uma necessidade de quem sente, de quem tem vida cá dentro, de quem não pode ser forte a toda a hora. De quem é humano e também quebra. Também precisa de um momento.

Há dias em que só queres um abraço. Apenas um abraço.


Cat.

2020.01.07
 

Verdadeiramente viver


 

É nos intervalos da vida
Que a minha mente
De pensamentos
É invadida.
É nesses momentos
Em que a noite é igual ao dia
Que penso nos intensos
Teres e sentires que havia.
Nestes intervalos,
Em que os minutos passam
Devagar pelas horas,
Em que o ar que respiro,
Rarefeito, me lembra do que eras.
Viver intensamente,
Amar profundamente,
Dar-se sem freios,
E que pensámos serem para sempre,
É ilusão,
Pois tudo tem um senão:
A eternidade é apenas um momento.
E entre o viver da felicidade,
Há os intervalos da vida,
Em que viver é uma dor profunda
Em que o tempo passa,
Mas não impune.
É assim, nestes lapsos de dias,
Que mais tempo passamos
A remoer para depois renascer,
Em vez de verdadeiramente viver...


Cat.
2021.01.31

terça-feira, 30 de março de 2021

Vida em suspenso


 

Hoje parei e olhei(me) no espelho.
O rosto pálido, com marcas de cansaço, que o dia foi longo e difícil.
Mas olhei(me) para além do óbvio. Olhei(me) e vi as marcas de todos os dias que já vivi. Inclusive das horas em que apenas deixei que passassem por mim.
Sim, houve uma altura da minha vida em que os dias apenas passaram. Sem nada de relevante, sem qualquer marca que pudesse fazer deles algo diferente, que se destacasse. Não fui feliz nem infeliz. Apenas (sobre)vivi.
Não criei, não cresci, não mudei. Apenas (sobre)vivi.
Um estado de dormência contínuo apesar de acordada.
Uma inércia perante um passar de dias sempre iguais, sem mudanças.
Mas ninguém vive assim durante muito tempo e a dada altura, há a premente necessidade de olhar para (dentro) de nós. Um vazio. Um vácuo que quase se toca. Uma série de anos sem nada a destacar.
E, sem dúvida, a ruptura a chegar.
A ruptura da Alma, da nossa essência, do que perdemos, do que não vivemos.
Não somos uma parede que, apesar de de algumas rachadelas, se mantém firme, sem mostrar o passar do tempo. Nós somos folhas de papel, onde todos com que lidamos nos marcam com palavras. Folhas de papel em que o passar do tempo vai amarelecendo o branco. Como folhas de papel marcadas, pelo bom e pelo menos bom, na pele, no coração e na alma. Folhas de papel onde as nossas histórias, as nossas vivências, as nossas lágrimas e os nossos sorrisos podem ser lidos, tocados. Como um livro que se descobre.
No meu rosto já há marcas de choro, de riso, de sofrimento e de alegria.
Mas, felizmente, há espaço para muitas mais.
Para mais vida.
Para mais crescimento.
Para mais momentos que valham a pena.
Para mais pessoas a ensinar-me.
Para mais, muito mais. Porque ainda é cedo para parar e eu já estive de vida suspensa demasiado tempo.

Cat.
2020.01.06