E a noite cai sem medo da lua que hoje se esconde, perdida sem luz no escuro das nuvens que pingam lá fora, na rua.
O cheiro da chuva entra no quarto pela pequena abertura na janela e faz ondular de forma perfeita e constantemente incerta a cortina que me impede de espreitar e ver os passos que correm em rápida e insegura surdina.
E pingam em mim gotas de uma água morna de sal que me escorre pela face e me marca a pele.
São gotas de saudades e de vontades que num estranho ritual se vai incumprindo por mais certas que sejam as voltas que os ponteiros do relógio vão percorrendo sempre certo e certeiro.
E vou cumprindo os dias sem alterar as rotinas desses passos curtos que há muito anseio transformar em saltos e que provocam nas emoções muito mais que vãs e meras ilusões: alimentam-nos e alentam-nos os dias que passam a ser velozes, vorazes carregados de vida!
E as gotas invadem-me agora o corpo em cadenciado ritmo que controlo numa tentativa fugaz e inglória de conseguir que lavem a alma, me tragam a vitória de me libertar das amarras que nunca me prenderam a esta forma de vida.
Escorrem-me na pele sem caminhos traçados e assim em mim, longe de regras que não controlamos, criam novos rumos com um destino que é único: o encontro de todas as gotas num rio que correrá suave até ao seu porto de abrigo.
E aqui, sentindo-as abrirem o caminho, sinto e decido, de corpo e alma lavados, seguros e certos, que quero seguir com elas: na rua, no rosto e no corpo, nas águas de um qualquer rio, desaguar livre, sem medo, no teu imenso e perfeito ser, nesse que é único teu (a)mar.
26/10/2012