terça-feira, 14 de março de 2017

Calar-me



O dia passa e não deixa marcas do correr das horas ao contrário deste rio que muda a cada bater do relógio. A luz torna-o diferente a cada momento: ora brilhante, ora sombrio; ora transparente, ora profundo; sempre diferente. No entanto, sempre igual: correndo ao sabor da água e do vento.

Eu, olho-o e sinto que queria ser assim: deixar-me levar pelo tempo sem que o mesmo me marque profundo, cá dentro.

Deixar que o vazio me preencha e os sentimentos fujam.

Deixar que as palavras não fluam e desvaneçam. Assim, sem se mostrarem, sem se fazerem sentir, sem as fazer existir.
Calar-me.

Fechar a boca, cerrar os lábios, segurar o ar cá dentro e nada proferir.
Calar-me.

Fechar os olhos, cerrar o pensar, segurar o nada cá dentro e nada sentir.
Calar-me.
Cá fora e, sobretudo, cá dentro.

Deixar que os pensamentos se esvaziem e os sentimentos deixem de existir.
Deixar de chorar e sofrer pelo que não controlamos.
Deixar de pensar no que não alteramos.
Deixar de tentar ser mais do que somos: pequenos, impotentes. Marionetas da vida que corre e não depende de nós.

Calar-me.

Fechar-me num não viver que não deixa a vida fluir.
Desejos impossíveis de concretizar.

Sou demasiado pensante e para mim sentir é só se me fizer estremecer, se me amedrontar, se me ultrapassar o corpo, se me absorver por completo.

Que sentir demasiado intenso que não me deixa usufruir!
E só apetece gritar, romper, rasgar, a pele, a carne e de tudo, tudo me libertar...




10.01.2017

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