segunda-feira, 16 de maio de 2016

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A manhã avança ao ritmo a que já nos habituou: lenta, demorada e compassada nos tempos do poisar dos pés de quem se passeia pela calçada.
O rio agita-se apenas pelo passar dos barcos que passeiam repetida e alegremente quem deseja passar as suas pontes, indiferentes a quem por elas passa de forma sistemática e sem novidade.
E a vida é assim, como o passar pela ponte: o hábito, a rotina são imensos e os dias, tal como as águas do rio que por si passam, iguais a todos os outros. Um vai-e-vem de gente com rostos mais ou menos familiares, mais ou menos íntimos, mais ou menos importantes para nós, num caminho que parece sempre igual.
Um adormecimento dos sentidos vai-se impondo de forma discreta mas segura, uma hora de cada vez, um dia a seguir ao outro e os meses passam: iguais, sem variações, deixando um vazio que não se preenche facilmente. Uma impotência para lutar contra algo que nos é tão intrínseco, tão nosso. Sim, porque sendo algo que cresce em nós, vem de dentro para fora. E os olhos já não brilham. E o riso já não se solta. E as palavras amáveis e de conforto, de amor e felicidade já ficam presas na garganta... Tudo guardado aqui, neste pequeno espaço do tamanho de uma (pequeníssima) Alma.
Mas há dias em que este torpor nos larga, nos liberta a mente da habitual passividade e o vaguear por sonhos é real. E, nesse instante, nesse preciso momento tudo ganha um brilho especial e a vontade de ser o passageiro do barco que se encanta com as margens deste rio é a única coisa que se sente. O desejo de ver com um novo olhar as paisagens que já nos encantaram e que sempre nos revigoram, bastando para isso, abrir as portas ao inesperado, à beleza singela de uma violeta na beira de um passeio, ao odor das glicínias e da flor de laranjeira...




16.Mai.2016

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