quinta-feira, 23 de abril de 2015

Ninguém vive tudo até morrer



O dia avança na sua constante e compassada rotina de horas que vão passando sem que nos aprecebamos de como correm.
A luz é inconstante e vai-se fazendo notar quando as negras núvens se dispersam levadas pela forte brisa que ondular do rio não esconde. Há um misto de cheiros no ar: a terra molhada que lembra o quente do Verão, as laranjeiras carregadas de inebriantes flores que nos embalam os sonhos, desses que fazem a vida acontecer e as glicínias em cachos de pequeninas flores de um degradé de tons liláses são o exemplo que a Primavera chegou.
E a Primavera é assim: um renascer da vida adormecida pelo frio que nos encolhe o corpo e, sobretudo a alma. Uma explosão de cor exposta em cada pedaço de terra, em pétalas suaves e frágeis de quem agora nasceu e tem uma vida à espera. E vivem-na em todo o seu esplendor de cores e odores que aos nossos olhos fazem um quadro digno de uma qualquer tela ou máquina fotográfica.
Aqui, dentro de mim, há tudo isso: essa estranha sensação de renascer, de querer voltar a viver e ser. Como se fugisse de mim, do meu corpo e fosse mais do que fisicamente sou.
E sou mais, mais que esta carne que um não há-de responder à vontade de andar, de viver e de ter capacidade para o fazer.
Sou mais que a matéria que me envolve, que estas vestes que me tapam as vergonhas do passar dos anos, dos produtos que inventamos e nos disfarçam as rugas de sorrisos e lágrimas que jorramos.
Sou mais, tanto mais...
Sou a soma dos desgostos de perder alguém que amava, de sentir a dor do nunca mais...
Sou a soma das alegrias de amar alguém como a mim, de ver a felicidade dos que me rodeiam...
Sou a soma de viver tudo isto. De ter memórias gravadas como recordações no coração e que aí têm lugar cativo e outras, tatuadas na pele beijada, tocada, amada por quem me partilhou corpo e alma, beijos e sonhos.
Sim, sou tudo isto. Tudo o que a vida me proporcionou e as escolhas que fiz. Não há lugar para arrependimentos. Não há lugar para onde olhar para trás e chorar – isso, já eu fiz em devida altura. Há apenas o aceitar e o sorrir feliz por ter vivido.
Sim, sou tudo isto. Mas mais serei porque sei que ainda tenho mais a viver.

Ninguém vive tudo até morrer.

E eu tenho tanto, mas tanto mais para viver, para dar e receber. E a cada dia, cresce a certeza que vou ser ainda mais feliz. Porque (te) tenho, porque (te) amo, porque (te) vivo em cada minuto desta minha (ainda) existência. Enquanto (eu) durar!
 
 
17.Abr.2015

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